Traçar a história da I Guerra Mundial com as histórias que ainda não conhecemos

As memórias da I Guerra Mundial são celebradas no Parlamento português com uma exposição onde todos são convidados a participar. Tem uma história para contar sobre este conflito? Já sabe onde a pode apresentar.

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Soldados portugueses em Paris em 1918 DR

Lembra-se daquela história que o seu avô contou um dia sobre a I Guerra Mundial? Ainda guarda em casa a troca de correspondência entre o seu bisavô na guerra e a sua bisavó que por cá ficou? E aquele objecto antigo guardado há tantos anos, ainda o tem? Chegou o momento de mergulhar no baú e recuperar essas memórias. A Assembleia da República (AR), em Lisboa, está de portas abertas até domingo para receber todos estes testemunhos numa iniciativa inédita em Portugal que procura traçar a história daqueles que pelo conflito passaram.

Chama-se Os Dias da Memória, o que acontece na AR entre hoje e domingo, e tem como objectivo assinalar o centenário da Primeira Guerra Mundial, que aconteceu entre 1914 e 1918, com uma perspectiva nacional. De que forma é que Portugal esteve presente neste conflito? Que significado teve este acontecimento para o país? O que aconteceu a quem foi e a quem ficou? Como é que se vivia naquela época? São algumas das perguntas que o Instituto de História Contemporânea, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, quer ver respondidas com a recolha de testemunhos de todos os que queiram participar – basta para isso que se desloquem à Assembleia, onde estarão vários voluntários e especialistas prontos a ouvir e a recolher os testemunhos. Todo o material é bem-vindo e será digitalizado para ser depois disponibilizado no portal Portugal1914 (www.portugal1914.org).

“O que estamos a fazer é a convidar directamente as pessoas, que eventualmente têm memórias transportadas dos seus familiares mais antigos, a aparecerem e a contarem-nos as suas histórias e a mostrarem-nos eventuais objectos, documentos que tenham sobre a participação na guerra”, diz ao PÚBLICO Maria Fernanda Rollo, do Instituto de História Contemporânea e comissária da exposição na AR, que reúne já algum dos artefactos reunidos. “A Grande Guerra ocupa um espaço na nossa história que evidentemente é importante, é preciso ver que são 100 mil portugueses que partem para o conflito”, continua a professora, para quem a maioria dos cidadãos não imagina como Portugal se envolveu neste confronto.

“Muitas vezes na memória das pessoas, alguns acontecimentos surgem confundidos entre o que foi a I e a II Guerra e por vezes até a Guerra Colonial. A nossa cultura histórica infelizmente não é tão dinâmica quanto desejaríamos, mesmo ao nível do que se ensina na formação básica e secundária, que está muito aquém de representar o impacto que estes conflitos tiveram em Portugal”, defende Rollo, destacando assim a pertinência desta iniciativa que surge no âmbito do projecto Collection Days, da biblioteca digital europeia Europeana, que lançou o Europeana 1914-1918 – que reúne este mesmo tipo de materiais à escala europeia.

Nos últimos meses, diz a comissária, apareceram “objectos verdadeiramente surpreendentes”, “legados que nem sequer imaginávamos que existiam”, “fotografias e peças que não estão em nenhum museu ou arquivo”. “Apareceu-nos, por exemplo, um lenço da Cruz Vermelha Portuguesa com a representação dos ferimentos de um soldado e a forma como entre eles deviam fazer os primeiros curativos.” Há ainda fotografias, muitas, e cartas, ainda mais. “Há pessoas que aparecem com 500 postais que contam um lado da guerra que nos é muito querido”, acrescenta.

Entre os objectos já dados a conhecer, João Jaime Pires, director do Liceu Camões, em Lisboa, que se associou a este projecto e cujos alunos estarão neste fim-de-semana a receber os visitantes na AR, destaca uma descalçadeira. “Foi uma peça trazida por um professor e que eu acho fantástica, basta imaginar como seria extremamente difícil tirar as botas com toda a lama das trincheiras”, diz ao PÚBLICO, explicando que desde o início deste projecto que a escola, que no tempo da Grande Guerra serviu de ala hospitalar, está empenhada em juntar alunos, pais e professores nesta recolha de memórias.

“A alegria maior que tive até ao momento foi ver o entusiasmo dos alunos, no sentido de revisitarem os seus antepassados. Há uma vontade de descobrir o que foi a Primeira Guerra Mundial e muitos têm trazido histórias que nem imaginavam ter na família”, conta João Jaime Pires. Também os alunos mergulharam nos baús de suas casas e trouxeram para este projecto vários testemunhos, entre eles muitas cartas de amor, diz o director, garantindo que esta iniciativa vai continuar nesta escola. “Estes jovens que estão no Liceu Camões nasceram em 1996/1997, a Primeira Guerra está muito longe, é bom que eles entendam, através destas memórias, como é que Portugal participou e como que sofremos também com isso", diz João Jaime Pires. “É a primeira vez que Portugal está a chamar as pessoas para contarem as suas histórias, o que é muito interessante. Pode-se fazer história com personagens anónimas."

Maria Fernanda Rollo espera que isto que agora se está a fazer em relação à I Guerra “seja feito em relação a todos estes acontecimentos que foram de impacto muito grande e que deixaram memórias e testemunhos nas pessoas”. “Oxalá, isto possa contaminar outras experiências e reproduzir-se porque é uma forma de nós compreendermos também o nosso passado, é fundamental para o conhecimento da nossa identidade nacional”, diz a professora, explicando “tudo isto não se esgota nos três Dias da Memória”. “O projecto continuará nos anos que se seguem, somos uma unidade de investigação e este é também o nosso trabalho, as pessoas que nos contactem”, pede Rollo. Quanto aos Dias da Memória, se está na dúvida entre ir ou não à Assembleia, Rollo não hesita: “É mesmo para as pessoas irem e participarem. Não têm de se sentir constrangidas ou ficar na dúvida, é mesmo para verem o que está a acontecer, participarem nas actividades e contarem-nos as memórias, independentemente dos objectos que possam ter”. 

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