Niemeyer

Artigo de Eduardo Prado Coelho, publicado originalmente no PÚBLICO a 23 de Agosto de 2007.

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Reuters

Niemeyer faz cem anos em Dezembro, e contudo parece disponível para corresponder ao convite que recebeu para conceber um novo espaço urbanístico para a cidade de Luanda. Espantoso, claro.

Mas vale a pena ver de mais perto.

Sabemos, como ele nos diz, que "não é o ângulo recto que me atrai, nem a linha recta, dura e inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual, a curva que encontro nas montanhas do meu país, no curso sinuoso dos seus rios, nas ondas do mar, no corpo da mulher preferida. De curvas é feito todo o universo, o universo curvo de Einstein". E também sabemos que a arquitectura, quando não se limita ao pachorrento trabalho dos construtores civis, pode ser uma das mais estimulantes e apaixonantes formas de arte, até porque possibilita a articulação entre as dimensões estética e existencial. Como alguém disse, um edifício pode ser como uma escultura onde nós sentimos uma espécie de vazio interior que nos convida a entrar nele. Tivemos há tempos uma trienal de arquitectura voltada para o tema dos vazios urbanos. Mais do que as formas que se criam diz-se interessa o vazio que entre elas estremece.

É precisamente numa edição comemorativa do centenário que se justifica o reaparecimento, nas publicações da Teorema, de um livro sobre a construção do Pestana Central Park, no Funchal, uma das obras importantes (mas todas as suas obras são importantes) de Oscar Niemeyer. O livro é magnífico em todos os aspectos. O design é de João Machado e consegue integrar todos os elementos estéticos e informativos de um modo invulgarmente inventivo e sedutor. O texto, e suponho que a concepção geral do projecto, pertence a Carlos Oliveira Santos, e tem o enorme mérito de dar-nos o máximo de informações numa forma extremamente elegante e sedutora.

As fotografias de António Moutinho, quer do espaço em que os edifícios se integram, quer de pontos de vista privilegiados da construção (as curvas, sempre as curvas, fascinantes de velocidade), quer de aspectos do interior, como os quartos do hotel, os números à entrada dos quartos, o bar, os corredores, as cadeiras (tendo aqui havido a intervenção de Daciano Costa), são belíssimas.

Ficamos a saber tudo, incluindo o modo como o projecto surgiu, mobilizando-se de início António Xavier Barreto e filhos, e depois a passagem de testemunho para o grupo Pestana, que procurou revitalizar um casino algo entorpecido; as dificuldades de construção, implicando as questões que resultam das vulnerabilidades do terreno, ou das propostas de Niemeyer que nem sempre sempre são fáceis de transpor para a realidade concreta; e a participação desse grande arquitecto que tanto contribuiu para a modernidade da arquitectura em Portugal, que foi Viana de Lima. Houve, portanto, um conjunto de personalidades de grande qualidade que trabalharam para que o projecto de Niemeyer se tornasse, com alguma inevitáveis alterações, uma realidade que permite que a Madeira possa ter um desses conjuntos arquitectónicos que marcam o património contemporâneo e atraem turistas e visitantes. Como disse Caetano Veloso, "modernidade me encantava como um samba de Jobim ou um prédio de Niemeyer".

 
 

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