Exposições: o que aí vem

Escolhas de José Marmeleira, Luísa Soares de Oliveira e Nuno Crespo

Foto
Centro de Arte Moderna Luís Ramos/Arquivo

Trinta anos de Centro de Arte Moderna
O público português (e aqueles que nos visitam) habituou-se durante as últimas três décadas a encarar o Centro de Arte Moderna (CAM) da Gulbenkian como o museu que outros não conseguiram ou souberam ser. Com uma política de aquisições iniciada muito antes de 1983, possui hoje a mais importante colecção de arte portuguesa moderna de todo o país, a que se junta um núcleo de arte contemporânea também nacional que ombreia com os de Serralves e da colecção Berardo. Por motivos vários e nem sempre óbvios, têm sido expostos com parcimónia durante os últimos anos, ficando a grande nave que cobre a quase totalidade do espaço expositivo disponível para a programação temporária da instituição. Tal não será o caso desta vez: o CAM, como é habitualmente chamado, prepara a partir de 25 de Julho uma grande exposição que reunirá um século de arte portuguesa: Sob o Signo de Amadeo — Um Século de Arte. Haverá também um colóquio dedicado ao tema, e entretanto, já a partir do dia 18 de Janeiro, um conjunto de exposições de artistas nacionais e internacionais que trabalham a temática do exílio ou da viagem, bem actual nesta época que vivemos.

As políticas de Carla Filipe

É impossível não destacar a entrada de Carla Filipe (Vila Nova da Barquina, 1973) no Museu Berardo. A artista formada no Porto apresentará no museu lisboeta, em Julho, um projecto inédito e de grande escala que promete reaproximar o questionamento e a reflexão política do centro da arte portuguesa. Pelo contexto ideológico e pelo espaço museológico que o acolhe, afigura-se, por isso, como um dos momentos mais aguardados e oportunos de 2013. Representa, também, a afirmação de uma obra e de um percurso. Materializado em desenhos, objectos, palavras ou instalações, o trabalho de Carla Filipe tem uma qualidade rara na arte contemporânea portuguesa: lida sem entraves com a narrativa, a autobiografia e formas de expressão gráfica menos consideradas (recorde-se, por exemplo, a exposição Bordas de Alguidar na Galeria Graça Brandão, em 2011). E sua importância não se restringe a um contexto. Essa liberdade que marca o seu fazer continua a despertar o interesse de diversas instituições e espaços de arte internacionais. Em 2010 participou na Manifesta 8, na cidade de Murcia, e desde então já realizou exposições em várias cidades europeias. Depois de Joana Vasconcelos, o Museu Berardo será de Carla Filipe.

Cildo Meireles tropical
Cildo Meireles foi um dos artistas centrais da redefinição do Modernismo feito no Brasil no início dos anos 1960 pela mão de artistas tão notáveis como Lygia Pape, Hélio Oiticica ou Lygia Clark. Em Outubro, Serralves apresentará um importante conjunto de obras suas, mostrando que, para além do importante aspecto político que sempre manteve, o seu trabalho é feito dos cruzamentos entre arte conceptual, regionalismo, as questões da percepção sensível e, claro, a ideia de tropicalismo tão importante e revolucionária para os artistas da sua geração.

Alberto Carneiro e o corpo na escultura
A partir de 22 de Março, também em Serralves, portas abertas para uma grande exposição antológica do escultor Alberto Carneiro. A selecção contará com uma série de obras inéditas, e será a oportunidade para revisitar ou conhecer o corpo de trabalho de um dos grandes nomes da escultura da segunda metade do século XX em Portugal. Nascido em S. Mamede do Coronado em 1937, numa família de santeiros populares, Alberto Carneiro soube sempre intuir e trabalhar o papel do corpo do artista e, por extensão, do visitante, na concepção e na leitura das suas obras. Quer se trate das performances realizadas durante a década de 60 no Marão, das instalações da década seguinte ou das esculturas recentes, que parecem querer libertar a essência da madeira de toda a matéria que a envolve, o seu trabalho revela também um acerto temporal e geracional sem falha.

Mais perto da arquitectura
A partir de 12 de Setembro, a Trienal de Arquitectura vai pôr Lisboa a pensar sobre os diferentes desafios que a arquitectura tem de enfrentar no contexto actual. Sob direcção da curadora inglesa Beatrice Galilee (na foto), escolhida através de um concurso internacional, e sob o tema geral Close, closer, uma equipa de curadores irá organizar quatro projectos expositivos distribuídos por Museu da Electricidade, Palácio Sinel de Cordes (actual sede da Trienal), Mude e Carpe Diem — Centro de Arte e Pesquisa, para além de diversos espaços públicos, onde vão acontecer acções e debates. Uma programação intensa que se assume como plataforma de reflexão, convidando cada habitante da cidade a intervir não só nas exposições (que se pretendem experimentais, alternativas e performáticas), mas no pensar e no fazer da cidade do futuro. Os títulos das exposições ilustram bem o âmbito e a ambição da próxima edição da Trienal: Futuro Perfeito, A realidade e outras ficções, Novos públicos e Efeito Instituto.

Guerra, dor e trauma em Lida Abdul
Lida Abdul nasceu em Cabul em 1971 e, por causa da guerra, esteve exilada em países como a Índia, a Alemanha e os EUA. O seu trabalho está muito concentrado no vídeo e o um dos seus fios condutores é o Afeganistão. A estranheza e o exotismo da sua terra natal, marcada tão profundamente pela guerra e pelo trauma, são transportados para uma obra que tem na ficção e na magia as suas marcas características — e que o CAM desvendará já a partir da próxima semana. Não se trata de uma revisão ou do relato das dores e perdas da guerra, mas da construção de fantasias, inverosímeis, improváveis, em que o importante é o modo como a ficção é, simultaneamente, um modo de aproximação e de afastamento da realidade.

Rui Toscano tijolo a tijolo
Era um acontecimento há muito esperado e anunciado: a (re)descoberta das esculturas sonoras de Rui Toscano (Lisboa, 1970) sob a forma de uma exposição panorâmica que incluísse trabalhos seminais e obras recentes ou inéditos. Protagonista nos 1990 do encontro da arte portuguesa com a cultura rock (ao lado de Carlos Roque e João Paulo Feliciano), Toscano destacou-se com uma prática artística muito particular, em termos de materiais e afinidades. Em 1994, ao produzir Bricks are Heavy, apropriando-se das propriedades escultóricas e sonoras do radiogravador, inaugurou uma série de peças que conciliavam o inconciliável: um objecto proveniente da cultura juvenil (e associado aos seus valores e expressões) com a linguagem formal característica da escultura minimalista. Dito de outro modo: a forma do paralelepípedo e a sua serialidade com as memórias e as experiências de canções no espaço urbano.

Rui Toscano não deixou de prosseguir a sua prática em torno do saudoso “tijolo” e nesta exposição que a Culturgest inaugura em Fevereiro (e que será também uma viagem a um período da arte portuguesa) exibem-se duas novas esculturas sonoras, Square Fall, de 2012, e No Saying Yes, de 2002-2013.

Rever Jorge Martins
A obra de Jorge Martins desenvolve-se tendo por base uma prática intensa e quotidiana do fazer do desenho e da pintura em que diferentes temas como o corpo, a luz, a cor, a linha, a mancha, a repetição, entre muitos outros, são desenvolvidos através de uma tensão muito particular entre a figuração e a abstracção. Os seus trabalhos poderão voltar a ser vistos em duas importantes exposições comissariadas por Manuel Costa Cabral e João Fernandes, uma na Fundação Carmona e Costa, em Lisboa (16 de Março a 28 de Maio), e outra no Museu de Serralves, no Porto (data a definir em Março). Rever o trabalho deste artista significa entrar em contacto com um dos momentos marcantes da pintura portuguesa contemporânea. Um trabalho histórico que desde sempre estabeleceu um diálogo crítico com as mais importantes vanguardas do seu tempo, e que importa retomar à luz da contemporaneidade.

O povo e Danh Võ
É a primeira vez que Danh Võ (1975, Bà Ria, Vietname) expõe, a título individual, o seu trabalho entre nós, boa nova que merece ser celebrada sem reservas. A exposição A asa de Gustav, comissariada por Óscar Faria (ex-crítico de arte do Ípsilon), revelará ao público um obra frágil e forte, enformada por questões como a linguagem, o trabalho, a memória e a história. A maioria dos projectos de Danh Võ tem como ponto de partida uma carta escrita no século XIX por Théophane Vérnard, um jesuíta francês, ao pai, antes da sua morte por decapitação. Uma carta depois recopiada pelo pai do próprio artista, numa caligrafia feita de caracteres latinos, que conta ao leitor a história de um país várias vezes violentado. Deste trabalho (conceptual e manual) estende-se uma reflexão que envolve We The People: a reprodução fragmentada e à escala 1.1 da Estátua da Liberdade. Na Culturgest o espectador será confrontado com um desmembramento que transforma a estátua em frágeis abstracções, num diálogo com a história da escultura. A materialidade do monumento, e a sua força alegórica, estará assim transfigurada num território aberto à diferença, ao pensamento e a história. Será uma exposição a não perder de um artista distinguido com vários prémios internacionais e que integrou há dois anos a colectiva Às Artes, Cidadãos!, em Serralves.

Seis visões da arte africana
A partir de 30 deste mês, No Fly Zone mostrará, no Museu Berardo, seis artistas africanos contemporâneos reunidos pelo angolano Fernando Alvim e pelo maliano Simon Njami para mostrar uma nova geração de artistas que, utilizando diferentes suportes como fotografia, vídeo, instalação, pinturas, etc., cruzam não só a memória dos seus países da origem, mas uma vivência global do mundo e das suas diferentes dinâmicas, culturas, estéticas e políticas. Será uma boa oportunidade para responder à pergunta: do que se fala quando se fala de arte africana contemporânea?
 

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