O actor Diogo Infante apelou esta quinta-feira a um debate sobre a Cultura em Portugal, mas lamentou a inexistência de “interlocutores privilegiados”, afirmando que quem tutela a área ou não vai a espectáculos ou não percebe do assunto.

“Nós temos de ser mais exigentes porque o problema é que, quem nos tutela, das duas uma, ou não vai ao teatro ou não percebe ‘um boi’ disto, não tem noção do que são as especificidades de uma estrutura teatral, de uma casa de artes, mas também é verdade que há um conformismo da nossa parte e também há necessidade de reformas”, afirmou o antigo director artístico do Teatro Nacional D. Maria II.

Desta forma, Diogo Infante pediu a realização de um debate sério sobre o sector em Portugal, em que é “preciso que a classe artística seja sincera”, uma vez que “basta olhar para as estruturas nacionais e perceber que o grosso do orçamento dos teatros nacionais é aplicado na estrutura”, o que os torna em instituições “autofágicas, começam-se a auto-alimentar”, deixando um montante “residual” para a sua missão artística.

“É preciso um debate sério, mas é preciso que a classe artística seja sincera. Que ponha realmente em cima da mesa o que é que está em jogo, só que nós não temos interlocutores. Não temos interlocutores à altura, são pessoas que fazem política, que dizem coisas que lhes convêm, porque querem segurar o lugar. O que sinto é que há sempre interesses ulteriores”, afirmou o actor, que classificou de “kafkiano” haver ocasiões em que é o Ministério das Finanças a olhar para os orçamentos de instituições culturais.

O actor referiu ainda que “a generalidade do povo não tem acesso à cultura”, o que atribuiu ao “nunca [ter havido] uma vontade de democratizar a cultura”.

“Há uma espécie de um pudor em tornar a cultura mais abrangente, como se ela, ao tornar-se acessível, perdesse dignidade, e isso é de uma grande hipocrisia”, destacou.

Diogo Infante reconheceu que “é evidente que falar disto nesta altura é complicado”, mas quando o país é atingido por “uma crise desta violência, a cultura já está no osso há muito tempo”.

“Quando se lhe aplicam cortes de 20, 40, 70%, como foi o caso de algumas companhias, é a asfixia total. Ou então começamos a trabalhar num registo amador, gente que arranja outros empregos e vem para aqui fazer isto por amor. Não dá, já não se admite isso. Não se aceita isso num país supostamente europeu”, conclui o actor.

Diogo Infante apresenta esta quinta-feira, no Porto, no Teatro Nacional São João, Ode Marítima, poema de Álvaro de Campos, o trabalho mais difícil que já levou a cena, como considerou à Lusa.