A marioneta é uma arte em plena evolução

Até dia 25 de Maio Lisboa volta a receber a diversidade do teatro de marionetas contemporâneo. O FIMFA celebra 14 anos, mostra 13 espectáculos ( e diferentes técnicas) vindos de países tão diversos como Israel ou a Finlândia.

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Lähtö/Départ, o espectáculo de abertura Tom Hakala

Ao fim de 14 edições do Festival Internacional de Marionetas e Formas Animadas de Lisboa (FIMFA), há ainda muito trabalho pela frente e a principal batalha de Luís Vieira e Rute Ribeiro, que o dirigem, continua a ser o equilíbrio entre o impacto do festival e as condições nas quais é feito. O orçamento de 130 mil euros, resultante dos apoios da Direcção-Geral das Artes e da EGEAC, através dos seus equipamentos municipais (os teatros São Luiz e Maria Matos e Museu da Marioneta), consome na quase totalidade os 170 mil euros do orçamento anual da Tarumba, a companhia por detrás da organização do festival.

Por fazer fica, por isso, todo o trabalho de pesquisa, residências, formação, extensões para outras cidades e acompanhamento internacional que é a base de um festival. “A determinada altura, pareceu-nos mesmo que seria impossível a sua realização”, dizem. Ao ponto fraco do orçamento responde-se com um ponto forte que caracteriza a prática – mas ainda não a recepção – do teatro de marionetas: a transversalidade artística. É assim há anos e, no entanto, o FIMFA é considerado como um dos mais singulares festivais de marionetas no espaço europeu.  

A edição deste ano recebe a partir de hoje uma embaixada de novas propostas que resiste, uma vez mais, à ideia de que as marionetas são apenas coisas inanimadas. “Elaborámos um festival que persevera os seus objectivos e que mostra que a marioneta é uma arte em plena evolução”, explicam os directores, falando de uma programação que “continua a explorar terrenos novos e imprevistos, em dialéctica com outras formas de arte

A edição deste ano apresenta 13 espectáculos, sendo oito estrangeiros, todos eles em estreia nacional, com excepção do espectáculo de rua do inglês Surreal McCoy, um habitué com o seu cão provocador. São propostas muito diversas no modo como abordam, ou integram, a marioneta na dramaturgia do espectáculo, diversificando as técnicas e a própria relação do marionetista com o espectador. Diz Kalle Nio, director da companhia finlandesa WHS, pela terceira vez no festival, que Lähtö/Départ, o espectáculo de abertura (hoje e sexta, São Luiz, 21h), “dificilmente é um espectáculo de marionetas como habitualmente gostamos de os confinar”. O cinema de Michelangelo Antonioni, as fantasmagorias que são hoje arqueologia da própria história do cinema, a magia e o novo circo juntam-se para uma viagem onírica e sensitiva que tem percorrido vários festivais interessados em “ir mais longe”. Assim é o FIMFA, descreve o director finlândes. “Não há receios de programação, há um risco que é um risco pensado e discutido com os artistas”, diz o encenador, que gosta  de aprender nos seus espectáculos “que a relação entre as imagens e as palavras não têm limites”.

Assim será ao longo de duas semanas. As propostas vindas da Holanda, Alemanha, França, Israel, Espanha e Reino Unido experimentam um modo de inscrição das marionetas (de papel, de luva, em sombra ou pequenas formas, de fios ou hiper-realistas) no discurso contemporâneo e pós-dramático, através de soluções que adaptam romances fundamentais da literatura universal como Os Buddenbrooks, no Teatro Maria Matos, sexta e sábado (ver Ípsilon da próxima sexta-feira) ou soluções que se constroem a partir da realidade.

A holandesa Nicola Hunger, por exemplo, traz ao Museu da Marioneta (13 e 14 Maio, 21h30) Phantom Story, biografia alegórica do seu quase-encontro com o terrorista Carlos, "o Chacal". “A minha linguagem seria mais limitada sem as marionetas”, diz ao PÚBLICO para explicar um espectáculo que cruza diferentes tecnologias para reescrever a própria história. “Percebi que a minha pesquisa era a minha dramaturgia. As escolhas que fazemos, pessoalmente ou profissionalmente, provocam inadvertidamente escolhas nos outros”.

Nicola Hunter fala de escolhas pessoais que a levaram a fazer um espectáculo sobre terrorismo e revolução. Mas talvez esteja também a falar de arte, quando fala das diferentes reacções que o espectáculo suscitou. Percebemos então que a sua apresentação no FIMFA se inscreve numa procura de objectos que, mais do que radicalizar, pensam o que pode ser um espectáculo. Sem categorias.

A edição deste ano apresenta em estreia as novas criações do Teatro de Marionetas do Porto (Pelos Cabelos, dias 17 e 18) e do Teatro do Ferro (OLO, dia 22), ambos no Museu da Marioneta, para além de apresentar A Caminhada dos Elefantes, de Miguel Fragata e Inês Barahona (Teatro Meridional, dias 24 e 25) e fazer regressar Rio, Rio, Rio, de Luís Hipólito (hoje e amanhã, São Luiz) e Mironescópio (Teatro Taborda, 23 e 24 Maio), dos próprios directores do festival e que tem tido um percurso internacional intenso nos últimos anos.

Os programadores Isabelle Bertola, directora do Le Mouffetard – Théâtre des Arts de la Marionnette, em Paris, e Joseph Seeling, director do London International Mime Festival, presenças regulares no FIMFA desde há dez anos, são unânimes em afirmar que a singularidade do festival português se caracteriza a partir da qualidade das propostas internacionais e da exigência do público, formado ao longo dos anos pelos critérios de Luís Vieira e Rute Ribeiro. Seeling, inglês como é, diz mesmo que “a direcção do FIMFA funciona como os treinadores de futebol que conseguem sempre que os seus jogadores tenham o melhor desempenho em campo”. E a isto acrescentam a possibilidade de o FIMFA propor um foco sobre a criação portuguesa. “Não temos, em Londres, possibilidade de saber muito sobre a criação contemporânea portuguesa”, diz Seeling, e ainda menos sobre marionetas. Diz Isabelle Bertola que “à resistência formada pelo desconhecimento e ao conservadorismo da parte de quem programa os teatros se junta a morosidade dos tempos de criação de um espectáculo de marionetas”. Kalle Nio, do colectivo WHS, diz que Lähtö demorou mais de um um ano a ser feito, e Nicola Hunger fala de um período praticamente idêntico para Phantom Story.

“Os festivais são importantes porque invertem a tendência de invisibilidade subjacente à criação para marionetas”, explica Bertola, que, referindo-se à paisagem francesa, diz que o facto de existirem vários teatros municipais convencionados não implica, necessariamente, uma presença regular de teatro de marionetas nas programações desses teatros. “Infelizmente, estamos ainda longe de admitir que a transversalidade artística, que reconhecemos aos outros espectáculos, é a base da criação do teatro de marionetas”. Também é assim em Portugal. Seeling acrescenta que “há um receio de programação por se considerar que os espectáculos de marionetas são, essencialmente, espectáculos para crianças”. O debate é antigo, e os argumentos recorrentes, e é por isso que aos artistas importa menos fazer a defesa do público-alvo dos espectáculos do que pensar de que modo os espectáculos “são portas de entrada para os públicos mais diversos”.

Até dia 25 de Maio, Luís Vieira e Rute Ribeiro querem fazer-nos acreditar que “os espectáculos programados revelarão a múltipla presença da marioneta nas artes cénicas de vários países, numa perspectiva maioritariamente contemporânea”.
 

Data do espectáculo Lähtö corrigida para quarta 7 e quinta 8 de Maio

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