500 avós alentejanas almoçaram e cantaram com um artista japonês

Tatsumi Orimoto fez em Évora aquela que foi a sua maior performance até à data. O artista japonês, convidado pela Trienal no Alentejo, reuniu meio milhar de senhoras. Serviu-lhes o almoço e garantiu a animação. Elas não ficaram atrás e entraram na dança.

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Em cima de uma mesa, o secretário de Estado da Cultura é abraçado pelo artista japonês Tatsumi Orimoto Enric Vives-Rubio
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No momento em que Orimoto desafia Jorge Barreto Xavier Enric Vives-Rubio
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Tatsumi Orimoto Enric Vives-Rubio
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Tatsumi Orimoto Enric Vives-Rubio
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Tatsumi Orimoto e as avós Enric Vives-Rubio
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Tatsumi Orimoto Enric Vives-Rubio
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Tatsumi Orimoto e uma das avós Enric Vives-Rubio
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Tatsumi Orimoto percorre a longa mesa Enric Vives-Rubio

A organização da Trienal no Alentejo tinha-lhe prometido 500 avós, e cumpriu a promessa.

O artista japonês Tatsumi Orimoto era um homem feliz, tocando um pequeno sino e dançando no meio de meio milhar de senhoras vindas de vários pontos do Alentejo para um almoço-performance no Mosteiro de São Bento de Cástris, em Évora.

A chuva era muita, e o terreno em volta do mosteiro rapidamente ficou transformado num lamaçal, onde os autocarros que traziam as convidadas tinham dificuldade em manobrar. Pedro Mendes, o chefe convidado para cozinhar a refeição, vindo do Marmóris Hotel, olhava em redor enquanto mais e mais senhoras saíam dos autocarros, e perguntava-se como é que ia conseguir servir comida quente a toda aquela gente, quando nem cozinha tinha e as panelas de sopa aqueciam em cima de pequenos fogões, vigiadas por alunos da Escola de Hotelaria de Évora.

Mas as convidadas não pareciam preocupadas. Iam ocupando os seus lugares na longa mesa – tendo o cuidado de não despir os casacos, que o frio era muito.

Um dos primeiros grupos a chegar veio de Vendas Novas. Maria Olívia Coelho conta que souberam do Almoço das 500 Avós através da Academia de Seniores, que frequentam. “Era uma novidade, um almoço diferente”, explica. Quanto ao que ia acontecer, confessa “ainda não ter chegado a nenhuma conclusão”. Ouviu qualquer coisa sobre “uma companhia japonesa” e já viu pela sala “uns japoneses”, mas o que andam a fazer não sabe.

Orimoto toca o seu sino, e vem buscar mais grupos de senhoras à porta. Pega-lhes nas mãos, acompanha-as até à sala, e depois sobe para uma cadeira, de onde, com a ajuda de um tradutor, lhes dá as boas-vindas. De vez em quando, dança ao ritmo das músicas que as senhoras decidem cantar. “Ó Rosa arredonda a saia, ó Rosa arredonda-a bem…” E Orimoto marca o ritmo, com o seu sino, em cima da cadeira.

“O japonês faz a festa!”, comenta uma das senhoras. “É o do badalo?”, pergunta outra. O grupo vindo de Vendas Novas é composto por 57 senhoras. E sabem o que vão comer? “Não, mas não é pela comida que venho”, diz Maria Olívia, “é pela curiosidade”. Pedro Mendes preparou uma sopa de abóbora com coentros, um arroz de pato e, para sobremesa, encharcada. “Tive que ter em atenção a quantidade de pessoas, a idade das senhoras, e, claro, quis puxar pela cozinha da região”, explica. “Mas esta é mesmo uma aventura”, desabafa. 

O som do sino de Orimoto faz com que a nossa atenção se concentre novamente na porta, por onde entram, vindas do claustro onde a chuva não pára, mais senhoras. Maria José Almada veio de Portalegre, com mais 50 amigas, que souberam da iniciativa através do grupo de ginástica sénior da câmara. “Mas venho completamente às cegas”, confessa.

“O que é que vão servir, é comida chinesa?”, pergunta outra senhora, do grupo de Portalegre. E, nisto, Orimoto passa a dançar, segurando uma avó pela mão. “Já aqueci os pés”, comenta a “dançarina”, dando uma gargalhada. “Ó rama, ó que linda rama…” Orimoto já vai descalço, passando junto a um grupo vestido com camisolas verdes, onde se lê “Seniores em Movimento”. “Às quatro da madrugada, um passarinho cantou…”

O grupo mais animado é o das senhoras de um coro de Arraiolos, que cantam a plenos pulmões “Que saudades que eu já tinha da minha alegre casinha…”, enquanto o assistente de Orimoto regista tudo em vídeo (a performance será apresentada em vídeo e fotografia, numa exposição no Alentejo), e os jornalistas se precipitam para as filmar e fotografar.

Já quase todas as senhoras estão sentadas quando chega o secretário de Estado da Cultura, Jorge Barreto Xavier. Não passa muito tempo até o político percorrer a sala, puxado por um saltitante Orimoto, que arrasta pela outra mão o presidente da Câmara de Évora, Carlos Pinto de Sá.

O japonês pára, salta para cima de uma mesa, puxa Barreto Xavier para o seu lado, e abraça-o, enquanto centenas de avós alentejanas aplaudem, e uma delas, que se apresenta como Agripina Rosa Ramalho, nos pede ajuda: “Quero dar um beijinho ao chinês”, diz-nos, entusiasmada. Quando percebe que Orimoto é japonês, não desanima e explica que a confusão tem a ver com o facto de haver uma loja de chineses na sua terra. Orimoto acede aos beijos e, teatral, faz grandes caretas enquanto os flashes disparam à sua volta.

Minutos depois, na igreja, o secretário de Estado descreve a performance como “um momento muito especial”, porque o artista “está a promover a reflexão sobre o valor da cultura no nosso modelo de desenvolvimento; estamos muito obcecados com a economia, que domina a nossa vida das mais diferentes formas, e a questão que se pode colocar é perceber qual o lugar da cultura”.

Barreto Xavier sublinha também que o trabalho de Orimoto tem-se centrado “na questão do envelhecimento activo, e da colocação da pessoas mais velhas no dispositivo social”, o que faz particular sentido no Alentejo, “uma das zonas mais envelhecidas do país, com mais idosos a viver sozinhos”, onde é particularmente importante a “convocação do extraordinário na vida de todos os dias”.

“É fácil rirmos disto e falarmos de uma forma leve, mas acho que todos devemos parar e pensar sobre o que significa envelhecer, e o que significa nas sociedades asiáticas e nas ocidentais, onde perdemos a veneração pelos mais velhos”, afirma Savita Apte, directora da feira Art Dubai, que assistiu à performance e que vai participar nas conferências internacionais Novas Geografias que a Trienal no Alentejo (o festival que cruza arte e gastronomia e decorre desde Fevereiro até Outubro) organiza hoje e amanhã em Évora. E as senhoras? “Vieram aqui participar em algo que celebra a vida, em vez de esperar pela morte”, diz Savita Apte. “E isso é performance”.

Douglas Fitch, artista norte-americano que, para além de projectos ligados à ópera, trabalha igualmente a performance com comida e que é outro dos participantes nas conferências Novas Geografias, está junto a uma porta, a ajudar algumas das avós a subir um degrau para entrar na sala. E parece-lhe que estas convidadas especiais entendem por que estão aqui? “Cada um de nós decidiu vir pela sua própria razão”, responde. “O André [de Quiroga, organizador da Trienal] está aqui por umas razões, o secretário de Estado está pelas dele, e cada uma das senhoras está aqui pela sua própria razão. E essa é a melhor razão.”

No final, Orimoto está novamente em cima de uma mesa e despe o colete, fazendo-o rodopiar no ar, enquanto as senhoras cantam. Estão contentes, sem dúvida, e, apesar de não saber uma palavra de português, Orimoto parece ter conseguido o que queria: “Estabelecer comunicação com avós. Foi melhor do que esperava, foi muito engraçado, as senhoras daqui são divertidas”. Algumas delas tinham, contudo, uma queixa: por que é que não serviram vinho ao almoço?

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