Uma fotografia de Alfredo Cunha

Poesia Pública é uma iniciativa do Museu e Bibliotecas do Porto comissariada por Jorge Sobrado e José A. Bragança de Miranda. Ao longo de 50 dias publicaremos 50 poemas de 50 autores sobre revolução.

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Ambos têm as espingardas
a prolongar o corpo, um deles
está deitado no alinhamento
da guia do passeio, o outro
com um joelho no asfalto,
mas a um dos soldados não se vê
o rosto, virou-se à curiosidade
da criança que se baixou
para falar com ele, para saber
se a arma dispara balas
verdadeiras, imagine-se
uma revolução em que as
crianças andam nas ruas
a perguntar aos soldados
como funcionam as espingardas
e a quererem saber se as espingardas
disparam balas verdadeiras.
Os adultos têm os olhares

desencontrados, num dos
extremos do enquadramento
há um homem a olhar
na direcção do passado
como se os seus próprios
olhos lá ficassem, no outro extremo
há um homem a olhar o futuro
como se os seus olhos
fossem incapazes de lá ir,
mas só as crianças
interessam, as crianças
que olham os soldados ou
conversam com eles,
é aí que tudo se decide,
as crianças são quatro,
os soldados são dois,
imaginem uma revolução
em que há mais crianças nas ruas
do que soldados armados.


José Carlos Barros (Boticas, 1963) é licenciado em Arquitectura Paisagista. Vive no Algarve, em Vila Nova de Cacela. Com As Pessoas Invisíveis foi o vencedor do Prémio LeYa. Taludes Instáveis – Poemas Escolhidos, revisitação de doze títulos de poesia, é o seu livro mais recente.

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