Os gymrats que usam o TikTok para pôr toda a gente a “mexer-se”: é o #GymTok
Com mais de 40 milhões de visualizações, o GymTokPortugal é uma montra de vídeos sobre desporto e alimentação saudável. Mas há que ter cuidado com a obsessão pela imagem, alertam especialistas.
Motivação, união e apoio são as palavras que Ricardo Dias, Simão Lameiro e Beatriz Ruas mais utilizam para se referir ao #GymTok – a comunidade fitness do TikTok que, em Portugal, conta com mais de 40 milhões de visualizações. Entre vídeos com ideias de treinos, diferentes tipos de suplementos desportivos e sugestões para uma alimentação saudável, existem ainda aqueles a encorajar quem pretende começar a praticar desporto.
Os três jovens criam conteúdos para a comunidade, tentando motivar os seus seguidores com o seu percurso, mostrando como eram quando começaram a treinar e como são agora, poucos anos depois. Aliás, foi no confinamento que decidiram começar a documentar a jornada e partilhá-la nas redes sociais.
Uma comunidade sem elitismos
Naturais de Faro, Beatriz e Ricardo começaram a partilhar conteúdo fitness por razões diferentes. Se a primeira queria “mostrar às pessoas que elas conseguem atingir os seus objectivos”, o segundo achou que “conseguia fazer melhor” do que muito do conteúdo do género que já consumia no TikTok. E assim começou a publicar enquanto Tibaaah. Já Simão é “um músico reformado” que sempre teve o desporto muito presente na sua vida, mas há dois anos, quando começou a praticar calistenia em casa durante a pandemia, decidiu partilhar os resultados nas redes sociais.
Assim, também por cá, a comunidade #GymTok surgiu naturalmente, quando os utilizadores “começaram a criar conteúdo fitness e não porque alguém se lembrou de criar um grupo”, começa por explicar Ricardo Dias. “As pessoas relacionam-se connosco, têm uma paixão tão grande por isto que ver alguém a tentar ajudar e a apoiar quem está a começar ajuda-as”, acrescenta Simão Lameiro.
Para fazer parte desta comunidade não é preciso muito — afinal, todos podem estar incluídos. “Qualquer pessoa que grave vídeos e tenha gosto pelo tema faz parte”, adianta Ricardo Dias. Assumem-se, com orgulho, gymrats, ou seja, “pessoas viciadas em treinar, que vivem para o seu objectivo”. O que também traz problemas: “Acaba por haver uma competição que não é assim tão saudável”, aponta Beatriz, de 21 anos. “As pessoas julgam muito os físicos uns dos outros, ao invés de se julgarem a si mesmos e se compararem a elas próprias”, acrescenta Simão.
Os três somam milhares de seguidores na plataforma e focam-se em diferentes públicos. Se o conteúdo dos dois jovens é constituído maioritariamente por pessoas do sexo masculino e que querem ganhar massa muscular, Beatriz atrai mais mulheres, sobretudo as que querem perder peso. “As raparigas têm tendência a trabalhar com raparigas e os homens têm mais tendência a trabalhar com homens”, conclui Simão Lameiro.
Não às crenças, sim à ciência
Criar vídeos sobre a toma de suplementos, como a creatina, ou conteúdos com dicas de exercícios ou de alimentação pressupõe pesquisa e responsabilidade, uma vez que serão publicados nas redes sociais e vistos por milhares de pessoas, desde amadores a profissionais da área.
Embora não se coíba de dizer o que pensa, Ricardo Dias confessa que tenta sempre ter imenso cuidado. “Tenho que ter a garantia a 200% que o que eu estou a dizer está correcto, senão eu não faço o vídeo”, conta. “Pesquiso bastante sobre o assunto e penso sempre se estivesse do outro lado, o que é que eu gostava de ouvir, se eu quisesse emagrecer de forma saudável, sem sofrer, o que é que eu gostaria de ver como cliente”, completa Beatriz
Para Álvaro Pereira, professor e personal trainer há mais de 20 anos, a responsabilidade tem de partir tanto de quem vê, como de quem mostra. “Quem vê não pode simplesmente partir da base da crença. Senso comum e crença não dá”, sublinha, argumentando que os seguidores devem ter espírito crítico para não acreditarem em tudo o que vêem, não seguirem conselhos de pessoas não certificadas e preferirem conteúdos “sempre baseados na ciência”.
Até porque, independentemente da genética e do metabolismo, os métodos cientificamente comprovados “resultam para toda a gente”, conclui Simão Lameiro, que trabalha actualmente como personal trainer na Alemanha.
A necessidade do “equilíbrio”
Ter um estilo de vida saudável é cada vez mais procurado e isso reflecte-se na procura por conteúdos ligados ao desporto e à nutrição. “Toda a gente tem interesse em mexer-se, toda a gente tem interesse em ser saudável, ou seja, é uma área que embora não seja bem financiada em Portugal, toda a gente precisa”, recorda Simão. No entanto, é necessário “haver equilíbrio” para não se ficar demasiado obcecado com a imagem corporal ao ponto de “se esquecer do resto, da saúde, do bem-estar”, aponta Beatriz Ruas.
“Algumas pessoas acabam por se sentir frustradas ou pensam que não vão conseguir ou que é demasiado para elas”, diz Beatriz, referindo-se ao processo contínuo de perda de peso e à rotina do exercício. “O nosso objectivo é mostrar-lhes que isso não é assim, é motivar”, remata a personal trainer. Para evitar a frustração, deve-se “controlar o tempo nas redes sociais, ter atenção aos conteúdos, procurar incluir contas que promovam a aceitação de outros tipos de corpos e, claro, promover actividades de autocuidado”, aponta Sofia Ramalho, psicóloga e professora auxiliar na Universidade Lusíada.
A obsessão pela imagem física pode desencadear comportamentos negativos como “perturbações de comportamento alimentar, como a bulimia e a anorexia nervosa, perturbações graves que exigem tratamento”, refere a psicóloga. Simão Lameiro admite que nem sempre se vêem os melhores exemplos no TikTok: “O que nós fazemos não é a definição de saudável, ninguém está a dizer que é saudável, apesar de as pessoas associarem um bom físico a uma pessoa saudável. Muitos de nós sofremos de dismorfia corporal, olhamos ao espelho e vemos a mesma pessoa que começou a treinar no ginásio há um ano e meio.”
Assim, sempre que existir um foco excessivo na imagem e na forma corporal, é altura de recorrer a ajuda de profissionais. Há que estar atento aos seguintes sinais de risco, elenca Sofia Ramalho: “Estar extremamente focado na imagem corporal, a imagem ser o centro do funcionamento pessoal e social, não ter outros interesses, passar muito tempo nas redes sociais focados nesse tipo de conteúdos e começar a tentar controlar aquilo que se come.”
Texto editado por Amanda Ribeiro