Linha do Douro: um olhar espanhol

A reabertura da Linha do Douro ao tráfego internacional transcende a ótica de qualquer nacionalidade ou regionalismo. Na qualidade de cidadãos e agentes económicos de um espaço comum, Espanhóis ou Portugueses, Madrilenhos ou Nortenhos, Salamantinos ou Durienses, têm como paradigma oferecer a si próprios oportunidades de desenvolvimento e bem-estar social para todos os territórios que partilham. A Linha Internacional do Douro é uma ferramenta imprescindível para o conseguir.

A reabertura da Linha do Douro ao tráfego internacional ganhou destaque na comunicação social, entregue que foi na Assembleia da República a 09.01.2020 uma petição com o notável número de 13.500 assinaturas. Como subscritor da Petição pela Linha do Douro, afigura-se necessário, pela minha parte, tecer um conjunto de reflexões de natureza prospetiva e estratégica, as quais podem resumir-se numa pergunta simples: que mais-valia representará para os cidadãos de Espanha a reabilitação de um troço ferroviário nos confins ocidentais de Castilla-y-León, que com os seus 78 km restabelece o caminho terrestre mais curto alguma vez construído entre Madrid e o Oceano Atlântico?

Em pleno séc. XXI, o que são as regiões e territórios através dos quais discorrem os 269 km de trajeto ferroviário compreendidos entre Ermesinde (Grande Porto) e Boadilla-Fuente de San Esteban? Uma sucessão de paisagens únicas, cuja classificação pela Unesco as projetou como polos de atração turística consagrados nos mercados mundiais. Unificar os mercados turísticos, do Douro e Salamanca, com a reabertura da linha férrea ao tráfego internacional, oferece oportunidades para o desenvolvimento de serviços e criação de emprego, perspetivando Investimento Direto Espanhol no Vale do Douro, território-corredor Espanha-Portugal, em transição de economia rural para outra, de serviços. A chegada recente a Salamanca de serviços ferroviários de Alta Velocidade provenientes de Madrid e cobrindo a viagem em 90 minutos clama de forma ainda mais vigorosa a integração de mercados que só o restabelecimento da Linha do Douro como eixo ferroviário transfronteiriço está em condições de oferecer.

Que valor poderá ter a Linha do Douro em território Espanhol para a logística? Num contexto de restrições crescentes ao tráfego internacional de pesados de mercadorias no espaço da União Europeia, a atual estrutura das acessibilidades ferroviárias existente entre Espanha e o Norte de Portugal apresenta-se desincentivadora para o modo “comboio”. A fronteira de Fuentes de Oñoro implica um agravamento quilométrico superior a 120 km, obrigando à passagem por uma Linha do Norte padecendo de consideráveis restrições de capacidade. A reabertura da fronteira de Fregeneda confere a Castilla-y-León, Madrid e País Basco/Pirenéus um acesso direto ao Norte de Portugal sem restrições. Permite que o mesmo facilmente se integre na Rede “Cylog” (Plataformas Logísticas de Castilla-y-León). E ainda faculta acesso de indústrias como as do “cluster” automóvel Valladolid-Palencia-Burgos a um terminal portuário “roll-on-roll-off” em Leixões (operacional ao longo de todo o ano), abrindo-lhes a possibilidade de exportação a baixo custo, de veículos elétricos para os mercados das Américas, do Norte e Latina.

Preenche uma Linha do Douro, na sua condição transfronteiriça, o papel de mais-valia ambiental? Poucas linhas férreas convencionais na Península Ibérica podem equiparar-se ao potencial que neste aspeto um itinerário discorrendo ao longo de um rio com aproveitamentos hidroelétricos apresenta: uma vez eletrificados, os 78 km de via férrea em território Espanhol podem sem qualquer dificuldade alimentar-se desde o “Embalse de Saucelle”, a par com os congéneres troços em Portugal, abastecidos a partir das barragens de Régua e Pocinho. Graças à tração elétrica, os comboios de passageiros e carga na Linha Internacional do Douro não só consomem energia renovável produzida na própria região através da qual discorrem, como ainda possuem todas as condições para uma exploração técnica eficiente, capaz de ultrapassar condicionalismos como pendentes existentes no traçado, e regenerar energia, devolvendo-a à rede aérea nos ciclos de frenagem.

É a reabilitação da Linha do Douro em território Espanhol comportável para as finanças de Espanha? O estudo da Comissão Europeia sobre “missing links”, datado de Março de 2018 (ISBN 978-92-79-85821-5), identifica a reabertura da Linha do Douro ao tráfego internacional como uma das “38 mais promissoras” de um total de 316 casos no espaço geoeconómico da UE. O mesmo estudo refere possibilidades de cofinanciamento no âmbito de Fundos Europeus, tais como Feder, Interreg (Transfronteiriço) ou CEF (Connecting Europe Facility), para um montante estimado de cerca de 570 milhões de euros, contemplando a reabilitação integral de todo o corredor ferroviário em funcionamento do lado Português. Os níveis de financiamento Europeu nos territórios em causa (Objetivo I) afiguram-se hoje incertos, no âmbito dos novos Quadros Comunitários de Apoio, até 2030. Assim mesmo, um nível de comparticipação razoável de 70% (e aquém dos 90% atualmente comuns) exigiria um esforço orçamental a Espanha e a Portugal de 86 milhões de euros, distribuídos temporalmente em dois a três anos, necessários para realizar as obras de reabilitação. Um “custo de oportunidade” reduzido para cada Estado Ibérico, correspondente à construção de 17 km de autoestrada, em cada lado da raia.

Que relevância tem analisar, sob uma perspetiva Espanhola, a reinserção da Linha do Douro como corredor ferroviário transfronteiriço no espaço geoeconómico Ibérico? Quando, no longínquo ano de 1887, foram construídos 20 túneis e 11 grandes viadutos metálicos no desfiladeiro do Rio Águeda, os promotores de tão arrojada iniciativa tiveram desde logo a perceção da importância estratégica que o chamado “Enclave de Vega de Terrón” (território de Salamanca que se adentra em Portugal) possuía como acesso-chave da Meseta ao Atlântico e Douro Navegável. Porém, estavam longe de imaginar que mais de 130 anos volvidos, ambos os lados da fronteira encontrar-se-iam integrados num contexto institucional de Livre Circulação de Indivíduos, Mercadorias, Capitais e Serviços, com uma Unidade Monetária Comum.

Hoje, a reabertura da Linha do Douro ao tráfego internacional transcende a ótica de qualquer nacionalidade ou regionalismo. Na qualidade de cidadãos e agentes económicos de um espaço comum, Espanhóis ou Portugueses, Madrilenhos ou Nortenhos, Salamantinos ou Durienses, têm como paradigma oferecer a si próprios oportunidades de desenvolvimento e bem-estar social para todos os territórios que partilham. A Linha Internacional do Douro é uma ferramenta imprescindível para o conseguir. A reabertura da Linha do Douro ao tráfego internacional resume-se a duas palavras: construir Europa.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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