A vida internacional dos espectáculos

França, Bruxelas, Berlim, Londres: é por aí que o dinheiro cirucla e os espectáculos também? Furar o circuito onde circulam grandes nomes é complicado

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Antes de chegar a Lisboa o espectáculo esteve em França, Turquia e Brasil FOTO: ALIPIO PADILHA

Ao contrário do que é habitual em espectáculos de uma companhia ou artista português, Zululuzu terá a sua estreia nacional quatro meses depois da sua primeira apresentação e depois de ter já passado por três outros países – Turquia, França e Brasil.

Mas não se trata de qualquer estratégia de internacionalização – esse pesado palavrão nas artes portuguesas – do Teatro Praga. Escolhido para a abertura de temporada do Teatro São Luiz, em Lisboa, o calendário do bienal Festival de Teatro de Istambul e do programa Chantiers d’Europe, do parisiense Théâtre de la Ville, co-produtores de Zululuzu, impunha naturalmente essa sequência. No caso de Istambul, a nova criação da companhia é a face mais visível de uma parceria forjada entre o São Luiz e Istambul, cujo segundo momento na sala lisboeta terá lugar em Outubro com a apresentação de No Dia em que os Cães se Revoltaram, do encenador turco Mark Levitas.

“Ultimamente parece que é uma espécie de validação do nosso trabalho”, repara Pedro Zegre Penim sobre a forma como a presença internacional do Teatro Praga é acolhida. “Se eventualmente há interesse estrangeiro nos espectáculos é porque o espectáculo é bom e a companhia boa – essa relação é disparatada.”

Para além de uma muito prática “conveniência financeira”, que permite a ideias como a de Zululuzu ou do anterior Tropa Fandanga (co-produzido pelo teatro francês MC93 Bobigny) existirem com uma ambição que apenas os apoios nacionais jamais permitiriam, a sua presença no exterior acaba por transportar uma “visibilidade da arte portuguesa” da qual acabam por ser representantes, independentemente da sua vontade, e confronta o colectivo com públicos que olharão as suas criações com uma perspectiva necessariamente diferente.

“E aprendemos a fazer tournées, algo muito importante de se aprender, porque muitas vezes quando queremos vender um espectáculo um dos impedimentos é a complexidade, o transporte, etc.”, descreve José Maria Vieira Mendes. A circulação vai também abrindo outras portas, através do cruzamento com outros programadores para quem uma proposta futura já não será apenas mais uma, gozando então de um conhecimento informado do trabalho da companhia.

Foi assim com o Festival Mirada, em São Paulo, onde o Teatro Praga apresenta Zululuzu antes da estreia em Lisboa, depois de uma primeira tentativa, em 2010, por interesse do programador em Sonho de Uma Noite de Verão, mas que não se concretizou devido a tratar-se de “um espectáculo muito pesado”. Todo este processo, reconhecem, é dificultado pela dependência de políticas de redes de teatros, nas quais é difícil penetrar, e de questões que ultrapassam por completo a qualidade de uma obra quando são privilegiadas temáticas específicas ou produções de um país escolhido para tirar da sombra.

“O mais perigoso”, dizem, “é quando há algo que domina tudo, porque nesse caso são sempre os mesmos que dominam os teatros.” E referem as digressões constantes de Forced Entertainment, tg STAN ou Schaubühne como exemplos de companhias que estão em permanência nos grandes palcos europeus.

Precisamente os mesmos nomes apontados ao Ípsilon por Pedro Alves, do Teatro Mosca, outra estrutura independente portuguesa que tem procurado apostar no estabelecimento de relações com o exterior. Fahrenheit 451 foi estreado em Orléans, graças à co-produção francesa do Théâtre de la Tête Noire, tendo depois apresentado com o apoio do nova-iorquino Art Institut Moby Dick em Nova Iorque e em New Bedford (no Museu da Baleia). Em ambos os casos, o Teatro Mosca continua a alimentar essas relações, assim como também o tem feito a Mala Voadora com a sua ligação inglesa e recorrente aos Third Angel e a Chris Thorpe, enquanto Tiago Rodrigues tem mostrado as criações da sua anterior companhia Mundo Perfeito com regularidade por toda a Europa.

“França, Bruxelas, Berlim, Londres, o dinheiro circula por esses lados”, traça Pedro Alves. “Nas franjas vamos ficando com as sobras e temos de ir para fora, como nos disse o Passos Coelho, à procura de oportunidades. Porque além do dinheiro para a co-produção, dão-nos condições para criarmos em residência e não temos de nos preocupar com as horas extra dos funcionários dos centros culturais. São outras condições.”

O complicado passa por furar um circuito onde os maiores nomes europeus circulam e cujo acesso depende, muitas vezes, da aposta firme e continuada de programadores chave.

Só que a presença internacional não pode tornar-se uma obsessão. Pedro Penim detecta nas gerações mais novas “uma angústia em relação à ideia de que o espectáculo estreia num só teatro e não sai dali. Parece que não valeu a pena porque só fez três apresentações num sítio pequeno.” Ou seja, se é saudável a todos os níveis que um espectáculo viaje, de pouco vale achar que é na internacionalização forçada que reside a salvação.

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