António Mosquito está a fazer tudo para a Soares da Costa voltar a ser uma referência

O empresário angolano António Mosquito renunciou recentemente ao cargo de chairman da Soares da Costa, mas o seu envolvimento com a construtora portuguesa não diminuiu. A garantia é dada pelo presidente executivo (CEO) da empresa, Joaquim Fitas.

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Joaquim Fitas, presidente executivo da Soares da Costa Rui Farinha | NFactos

Em entrevista telefónica ao PÚBLICO, Joaquim Fitas avança que, para além dos 70 milhões de euros realizados na compra de 66,7% do capital da Soares da Costa (SC), o empresário angolano António Mosquito tem em curso investimentos da ordem dos 85 milhões de euros. Explica ainda que a empresa está a avançar para um plano de reestruturação, que inclui o despedimento colectivo entre 420 e 450 trabalhadores, ligeiramente abaixo dos 500 anunciados inicialmente, e a expectativa, apesar dos condicionalismos, é a de aumento do volume de negócios em Portugal e em Angola, ao mesmo tempo que estuda a entrada noutros mercados africanos.

Em que fase está o despedimento colectivo e quando poderá estar encerrado?
O processo tem imperativos legais e um deles, que decidimos cumprir da forma mais ortodoxa possível é o do dossier que define quais são as necessidades de redução do pessoal, quais são os critérios da escolha do pessoal a incluir na lista dos dispensados, quais são os critérios nos quais nos baseamos para calcular a compensação pelo despedimento. Este processo ficou concluído esta sexta-feira e será objecto de avaliação pela Comissão Executiva ao longo desta semana. Depois daremos início à fase seguinte, que é a de comunicar o processo à  comissão de trabalhadores para que esta possa emitir o parecer. O trabalho de casa está pronto, vamos partir agora para as interacções com o exterior, de forma a estar concluído até final de Março.

Qual é custo imediato da redução dos 500 trabalhadores?
O número de trabalhadores a dispensar está um bocadinho abaixo dos 500. Deverá ficar entre 420 e 450, mas ainda falta a afinação final das listas. O custo estimado do neste momento, podendo ainda ser ajustados, ronda os 18 milhões de euros e tem um período de recuperação inferior a 18 meses.

Como foi assegurado esse financiamento?
Pela banca, com envolvimento de instituições nacionais e angolanas, com suporte accionista. É uma operação suportada pelo accionista.

A empresa tem actualmente salários em atraso, qual é a expectativa para a sua regularização?
No dia 12 de Dezembro fiz uma comunicação que foi ouvida ao mesmo tempo em Luanda, em Portugal, concretamente no Porto, e também em Maputo, em que assumi isso. Neste tema, como em muitas outros, actuamos sempre com grande clareza. Nós não escondemos que temos salários em atraso, que infelizmente não é uma situação única da SC. Há muitas empresas portuguesas do sector da construção na mesma situação, em número de meses muito superior, e perspectivas de recuperação muito mais difíceis, mas em relação a esses casos nada se diz. Porém, do nosso caso fala-se, porque nós nunca escondemos e nunca fizemos pressões sobre os órgãos representativos dos trabalhadores para que não tomassem as posições que entendessem que deveriam tomar. É verdade, temos salários em atraso, e o nosso compromisso com os trabalhadores é o de, sempre que conseguimos gerar meios, fazemos a distribuição pelas contas bancárias dos trabalhadores.

Mas a administração é acusada de estar a discriminar alguns trabalhadores nesses pagamentos.
Sim. É verdade, fazemos discriminação. Pagamos primeiro aos trabalhadores que recebem menos. Completamos os salários aos que recebem menos. Para o final ficam os que recebem mais. E quando temos conhecimento, através das chefias ou dos representantes dos trabalhadores, de que há um colaborador com uma situação familiar mais complicada, incluindo em relação a filhos, ou com problemas de saúde, o presidente da Comissão Executiva da SC assume que pratica discriminação e paga primeiro a essas pessoas. E fazemo-lo com a consciência de quem está a fazer o que é certo. Igualdades ou unicidades artificiais não são justiça. Achamos que não seria justo pagar ao mesmo tempo a um trabalhador que ganha dois ou três mil euros e a um que ganha 700 euros ou 800 euros. Isso é que era injustiça. Actuamos de forma muito presente e procuramos não ser cegos. Não andamos a fazer publicidade disto, porque não usamos a SC como espaço para protagonismo balofos nem pieguices. Encaramos as coisas com muita frontalidade.

Quais são as expectativas para a regularização dos salários?
Gostava de poder avançar uma data, mas a única coisa que posso dizer é que estamos a fazer tudo para regularizar a situação no mais pequeno espaço de tempo possível. Estamos em primeiro lugar a pagar aos trabalhadores e depois a cumprir outros compromissos da empresa. Ainda esta semana fizemos mais um pagamento parcelar e tencionamos fazer outro esta semana. Mas isso depende da concretização de algumas importações de capital.

Que salários estão por regularizar?
Temos em atraso uma parte muito pequena do valor de Novembro, referente a salários mais altos. Para o universo dos trabalhadores falta pagar o subsídio de Natal e o salário de Dezembro. Em termos globais, achamos que é justo enquadrar o tema dos salários em atraso nos esforços que estão a ser feitos para a reestruturação da empresa.  É uma preocupação muito grande, que muitas vezes nos acorda de noite, a mim e outros colegas, e ficamos a pensar como vamos resolver o problema. Mas também tenho que dizer que, no Soio, no Huambo, em Luanda, na Matola, em Maputo, em Pemba, no Porto, em Lisboa, nós temos encontrado um capacidade de compreensão e um espírito de sacrifícios muito grande por parte dos trabalhadores para participarem no esforço actual para dar a volta à situação da empresa.

Entre os compromissos sacrificados estão os pagamentos a fornecedores?
Temos reduzido a dívida para fornecimentos e serviços externos, mas não a reduzimos no montante que desejávamos e eu quero acreditar que, em 2016, ultrapassadas algumas contingências, conseguiremos resolver também um problema que é nosso, mas também dos pequenos fornecedores porque, é justo dizer, essas empresas são muito importante para que consigamos dar a volta à situação. A esmagadora maioria dessas empresas, entidades e pessoas tem tido uma capacidade de colaboração que é notável e que nos obriga moralmente a ter que resolver com a celeridade possível essas dívidas.

O plano de reestruturação contemplou apenas a redução de trabalhadores?
Não. E achamos que nos é devida alguma justiça, porque chegamos ao despedimento colectivo depois de ter reduzido em 30% os custos de estrutura da empresa. De termos cortado para menos de metade os custos das rendas, de termos passado de quase 100 viaturas ligeiras para 16. E ainda de termos reduzido os prejuízos da empresa em valor muito significativo e os resultados do exercício de 2015 vão ser uma surpresa. Só depois fomos pegar no tema dos trabalhadores. Quando reduzimos o número de trabalhadores, reduzimos a capacidade da empresa gerar lucro. Não fizemos isto para prejudicar os trabalhadores e para valorizar a posição do accionista. O accionista [António Mosquito], depois da entrada de dinheiro [70  milhões de euros] no aumento de capital de 2014, na compra de 66,7% do capital, já investiu na empresa quase tanto como esse montante. O que está previsto é que para além do valor inicial seja feito um investimento de, pelo menos, mais 84 milhões de euros. António Mosquito está a fazer tudo para que a SC volte a ser uma empresa de referência em Portugal e na África Austral, a partir de Angola.

Qual foi o volume de negócios da construtora em 2015?
Deve ter ficado muito perto dos 300 milhões de euros.

E que surpresa reservam os resultados?
Os resultados de 2015 vão surpreender, mas vão continuar negativos. Ainda é cedo para falar disso.

Qual é o peso de Angola nos negócios da construtora?
Angola mantém um peso entre 60 e 70%, seguida de Moçambique em 20%. O resto é em Omã [Médio Oriente], em Portugal e negócios residuais no Brasil, onde a actividade está a ser descontinuada.

Com a falta de obras, públicas e privadas, a empresa vai conseguir recuperar dimensão em Portugal?
O sector não vai voltar aos valores históricos das últimas décadas. Temos que ter noção de que o país tem hoje um nível de satisfação de infra-estruturas públicas muito grande. Temos de ser honestos, não podemos andar aqui a contar histórias da carochinha, porque são para enganar ou para distrair as pessoas. Apesar disso estamos muito atentos, a fazer um trabalho muito profundo. A SC tem quadros ao nível de engenharia e ao nível da execução da obra notáveis. Temos obras aqui e pelo mundo absolutamente impressionantes, de uma qualidade a toda a prova. O que nós precisamos hoje é de reconquistar a confiança dos clientes que, como imagina, têm as naturais reservas em relação a empresas que são permanentemente objecto de notícias porque os trabalhadores se manifestaram, ou porque não deixam sair material. É este trabalho que estamos a fazer. Na próxima semana, eu e outro colega vamos visitar clientes e potenciais clientes de uma região de Portugal que nesta altura vai relançar algumas obras públicas e particulares. Se recuperarmos a confiança dos clientes, a SC tem capacidade para vir a quintuplicar o volume de negócios que tem em Portugal. Mas é preciso referir que o volume de negócios não é nesta altura muito grande em Portugal e o mercado não vai crescer muito. Por isso, a nossa aposta está no posicionamento em África.

Mas a crise em Angola, pelo peso que o país tem nos negócios, não pode comprometer os planos de recuperação da construtora?
Em relação a Angola, todos nós conhecemos os resultados da diminuição do PIB do país por via da queda das receitas do petróleo e os constrangimentos económicos e financeiros existentes, inclusive ao nível de transacções e exportação de capitais para outros países. E nós sofremos isto, como todas as empresas sofrem. Até podemos gerar meios em Angola mas temos alguma dificuldade em os fazer passar para Portugal. Mas estamos profundamente convencidos de que estamos a falar se situações conjunturais e não de estruturais. É público que a maior adjudicação pública de 2015 em Angola, foi feita a um consórcio que integra a SC, a Mota-Engil e a francesa Degremont. Temos fundadas expectativas de que durante os meses de Janeiro e Fevereiro nos serão adjudicados um conjunto de obras muito significativo em Angola, que nos permitirão manter a estrutura de Angola activa e começar a aumentar o volume de negócios. Isto ainda não permitirá inverter os despedimentos, mas este é o caminho da viabilidade da SC. Deixar perder a postura majestática, adequar a estrutura àquilo que são hoje as condições do mercado, os desafios e a procura, e apostar noutros mercados.

Mas não tem um plano B para o caso da instabilidade em Angola se agravar?
O nosso posicionamento é sermos uma empresa de referência na África Austral, a partir de Angola. Para além de Moçambique estamos a olhar com muita atenção, mas com tranquilidade e sem aventureirismo, para a região que faz a ligação entre o Índico e o Atlântico, na zona de Angola e um bocadinho para cima. Refiro-me a países como Zâmbia, Zimbabwe, Ruanda, Burundi, Malawi, entre outros. Estamos a olhar com a toda a tranquilidade para esses países. Mas ainda sobre Angola, deixe-me dizer que o país enfrenta desafios significativos, como a grande dependência do petróleo e a sua desvalorização e a evolução do Kuanza, que está a posicionar-se naquilo que será o seu valor. Isto são motivos de elevada preocupação. Mas há factores atenuantes: a sociedade angolana tem um nível de maturidade e de resiliência que não deve ser desprezada. Depois de terem sofrido imenso com uma sucessão de guerras desde os anos 60 até há 12 anos, os angolanos valorizam imenso a paz e a estabilidade social. Vivo em Angola desde 2008 e passo mais tempo lá do que em Portugal. Quem está fora, nem sempre tem um reflexo do que se passa no país.

Mas há muitas empresas a sair de Angola?
Nos momentos de crise financeira os mercados fazem alguma auto-regulação. Ou seja, as empresas que estão numa lógica de curto-prazo, de fazer lucro fácil, estão a começar a desaparecer. A SC tem 35 anos em Angola, tem um património, um activo que a afasta desse modelo de negócio. Estamos numa lógica de longo prazo. A empresa já passou por várias crises em Angola. É difícil? É. Temos nesta altura recebimentos com desvalorizações de 30% porque estão indexados ao Kuanzas. Temos clientes que querem cumprir e não são capazes. Estamos nós próprios em grandes dificuldades para cumprir com os nossos fornecedores. Mas hoje sente-se que a diversificação económica vai ser uma realidade, porque o país é forçado a isso, e quando se começa a olhar para outros sectores da economia faz sempre falta fazer obras. A SC posiciona-se como parceiro para essas soluções. O mercado financeiro também está a evoluir de forma interessante. Continuam a existir projectos estruturantes, planeamento, há investimento privado, e outros com financiamento internacional. Ainda recentemente foi inaugurada uma siderurgia em Angola. Este é um momento muito difícil, não há dúvidas, mas há sinais de grande esperança no sentido de que esta crise também vai fazer o país crescer de forma positiva.

O facto da SC ter um empresário angolano como maior accionista dá-lhe alguma vantagem face à concorrência de empresas chineses e brasileiras?
Não. O facto do accionista maioritário ser angolano posiciona a SC ao nível de empenho, de alinhamento, orientação estratégica maior para Angola. Mas não cria vantagens nenhumas. As empresas chinesas ou brasileiras que referiu assentam os seus negócios em linhas de crédito bilaterais. Porém, nós também acreditamos que à medida que o país evolui há alguns modelos que se vão afinando. Hoje o Brasil tem uma crise de natureza diferente mas com impactos semelhantes à crise em Portugal. E mesmo no que diz respeito ao modelo de intervenção das empresas chinesas ele está a evoluir para um aumento da incorporação nacional nas empreitadas e nos negócios. É aí que a SC se posiciona.  

O empresário António Mosquito renunciou à presidência da construtora mas continua a ser accionista maioritário?
A renúncia às funções do empresário António Mosquito enquanto presidente do conselho de administração da SC já foi registada e portanto ainda este mês faremos a recomposição dos órgãos e a sua adequação aos novos desafios e filosofia da empresa. As questões associadas às transacções de capital não se colocam sequer. O grupo António Mosquito continua a ser titular de 66,7% da SC.

Quem será o novo presidente?
Sinceramente ainda não sabemos. Esse é um assunto que vai ser discutido na última semana de Janeiro.

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