Ulrich diz que "não é possível fazer a separação do Governo da situação" do BES

Presidente do BPI ouvido na comissão de inquérito ao BES.

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"Não concordo com a solução Fundo de Resolução" adoptada para resgatar o Banco Espírito Santo (BES), por ser "irresponsável" e "posso ter de vir a concluir" que as autoridades portuguesas "decidiram jogar à roleta com o sistema financeiro português", declarou esta manhã Fernando Ulrich na Comissão Parlamentar de Inquérito ao colapso do GES e do BES. O banqueiro aproveitou ainda para desmentir Vitor Gaspar e criticar duramente a intervenção da troika, em especial do Banco Central Europeu (BCE), que considera terem falhado no dossier BES.

Foi com várias declarações bombásticas que Fernando Ulrich, presidente do Banco Português de Investimento (BPI), surpreendeu os deputados, durante a sua intervenção inicial na comissão parlamentar de inquérito (CPI).

O banqueiro começou por ler um documento, com projecção de slides, sobre o "processo que conduziu à aplicação da medida de resolução ao BES e as suas consequências nomeadamente quanto aos desenvolvimentos e opções relativas ao GES e ao Novo Banco".

Um dos focos do documento centra-se nas fragilidades financeiras do GES e a sua contaminação ao BES que eram públicas desde 2012 e que se acentuaram ao longo de 2013. 

Antes de começar a ler o documento, Ulrich desmentiu declarações de Vitor Gaspar à Reuters onde o ex-ministro das Finanças garantiu que tinha tido vários contactos com operadores do sistema financeiro e que desses contactos não decorreu qualquer preocupação sobre a situação do GES e do BES. O banqueiro observou que se considera "abrangido" no grupo "dos operadores financeiros" e contou "que, talvez no final de Maio ou início de Junho de 2013", foi falar com o ex-ministro e que "um dos assuntos" que referiu "foi a preocupação sobre a situação do GES e do BES". E, contou: Em menos de "48 horas eu fui contactado por um alto funcionário do Banco de Portugal [BdP] que me pediu para ir falar comigo ao BPI." Na conversa "expliquei mais em detalhe as preocupações que tinha partilhado com" o ministro das Finanças. "O que se passou a partir dai já não sei."  

O banqueiro resume que as suas "preocupações" sobre o GES-BES e o sistema financeiro foram partilhadas "com o ministro das Finanças" e que "este falou com o governador do BdP, e o governador" enviou um emissário" ao BPI.

Para Ulrich "ninguém precisava" dos seus alertas para saber que a situação no GES/BES estava descontrolada pois havia informação pública suficiente para que fosse possível "detectar os problemas do BES". “Causa-me perplexidade por que é que o BCE foi tão duro e exigente com o BES, quando anda ao colo com os bancos gregos e outros bancos" e “faz-me ainda confusão como foi possível ter dado um tratamento tão violento ao segundo maior banco do país maravilha da troika”.

Ulrich não compreende decisão
Sobre a solução encontrada pelo Governo e o BdP para impedir que o BES falisse, o presidente do BPI revelou à comissão que discorda da adopção do Fundo de Resolução por ser uma medida "irresponsável" e admite mesmo poder ter de acabar por concluir que as autoridades portuguesas "decidiram jogar à roleta com o sistema financeiro português".

"Não consigo conceber que entidades responsáveis", sobretudo o BdP e o Governo, mas também o BCE , "tenham tomado a decisão" do Fundo de Resolução, "sem ter uma ideia do que isso poderia significar para os outros bancos". Então, "decidiram pegar nos problemas do BES e espalhá-los pelos outros bancos." "Estou preocupado como accionista do Fundo de Resolução [10%]", reconhece Ulrich que "considera que o risco é ilimitado" e que tem "de ter um limite."

O presidente do BPI considera que, no final de 2013, o destino do GES/BES "estava traçado" e se "devia ter actuado mais cedo" para impedir o seu colapso.

Inquirido pelo deputado do PCP, Miguel Tiago, sobre a liberalidade de 14 milhões de euros alegadamente oferecida a Ricardo Salgado pelo cliente José Guilherme, em 2012, Ulrich disse que se tivesse sido ele a receber o presente "não voltaria a entrar no BPI".

Para Ulrich, a solução Fundo de Resolução "foi uma decisão do Governo", pois todas as outras vias para evitar o colapso do BES exigiam uma alternativa com recurso a fundos públicos chumbada pelo executivo liderado por Passos Coelho.

Se PS fosse à falência, PSD pagaria custos?
Mais à frente na audião, inquirido pela deputada do PSD Clara Marques Mendes sobre o que poderia ter sido feito no final do Julho para salvar o BES, sem ser pelo recurso ao Fundo de Resolução, tendo em conta que Ricardo Salgado não pediu ajuda ao fundo de recapitalização, Ulrich foi taxativo: "Quanto mais informação tenho, e à medida que o tempo avança, mais recuso em absoluto a tese ‘de que a única solução’ de evitar o colapso do BES era ‘o recurso ao Fundo de Resolução’”.

"Se protege os contribuintes? Já disse que sim, mas não na medida em que afecta a Caixa Geral de Depósitos". "Mas isso não a torna nem absoluta, nem boa." O presidente do BPI esclarece que "não" conhece nenhum Governo ou país que tivesse adoptado a solução Fundo de Resolução para um banco da dimensão do BES. Para justificar a tese de que a medida, que tem associadas perdas potenciais, pode ter impacto no resto do sector, deu como exemplo: "Imaginem que o PS ia à falência, e que os custos teriam de ser repartidos pelo PSD, pelo PCP ou pelo BE?". O Fundo de Resolução é detido pela banca que terá de suportar eventuais prejuízos resultantes da venda do Novo Banco. O banqueiro contesta ainda a decisão das autoridades de darem apenas "um fim de semana para o BES se recapitalizar", isso "não se faz". 

O que podia então ter sido feito em Julho de 2014, para evitar o colapso do BES, sem ser por recurso ao Fundo de Resolução, inquiriu Clara Marques Mendes. Ulrich explicou: "O BCE podia ter dado tempo." E lembra que quando são detectadas insuficiências de capital em bancos, nomeadamente no quadro dos testes de stress europeus, realizados pelo BCE,  tem sido "dado tempo" a essas instituições para apresentarem "um plano para cumprir". E "esta é a regra."  

O banqueiro garante que não vê razão para que não tenha sido "possível" , em Julho de 2014, ter sido dado também tempo ao BES para resolver os seus problemas e evitar assim o recurso ao Fundo de Resolução. O presidente do BPI sugere "outras soluções" como o recurso parcial à linha de recapitalização pública.  

"E não aceito discutir se à meia-noite do sábado 3 de Agosto podia ser" tomada outra solução para evitar o colapso.

"Podia ter sido feito algo parecido com o que o Chipre fez" levando a que parte dos custos fosse suportado pelos grandes obrigacionistas e depositantes, que foram envolvidos nas perdas. Isto, "sem afectar os pequenos aforradores". "Vão dizer que não era possível", pois não havia legislação que o previsse, nem tempo, "mas lembro que houve leis mudadas naquele fim-de-semana [2 e 3 de Agosto quando foi criada lei para acomodar a intervenção via Fundo de Resolução]", evidenciou o presidente do BPI. E, portanto, "refuto a ideia de que esta era a única solução possível."  

Mas o BCE retirou o estatuto de contraparte ao BES, lembrou o PSD, ao que Ulrich respondeu: "Não sei qual foi a posição do BCE e só ficarei a saber quando o senhor Mario Draghi aqui a vier explicar qual é." A CPI já inquiriu por escrito o presidente do BCE sobre um conjunto de questões a que este ainda não respondeu.

"Troika mandou-me calar"
Em Setembro de 2013, Ulrich relatou que insistiu e com clareza junto dos técnicos da troika sobre o BES. “[Mas] a pessoa [da troika] com quem falava mandou-me calar e disse que eu estava ali para falar sobre o BPI e não sobre os outros bancos. E eu disse que se não pudesse falar me ia embora”.

Para o banqueiro, os técnicos da troika responsáveis por acompanhar o sistema financeiro nacional, "podem ser óptimos académicos, fantásticos a trabalhar com papéis e templates, viciados no microscópio, mas às vezes são albalroados por elefantes”, disse Ulrich, acrescentando: “Eu não sei nada sobre isso, pois nunca cacei nada, nem pardais, muito menos elefantes."   

Os supervisores "deviam dar menos importância ao papel, ao detalhe e olhar mais para o que se passa à sua frente e ouvir" quem sabe. Na "supervisão estão mergulhados em detalhes e templates" e não dão importância ao que se está a passar à sua frente. E voltando-se para a deputada do PSD disse: "Mas pela sua rica saúde, não façam mais leis. É um inferno! O que interessa são as pessoas." O comentário levou o presidente da CPI, Fernando Negrão, a contrariar Ulrich, defendendo que o Parlamento tem por competência legislar e que lamenta a expressão “tsunami regulatório” já utilizada noutra audição por outro orador.  

O banqueiro defendeu que "não basta conhecimentos técnicos" e que houve "um momento" em que se devia ter parado para negociar com os credores [do GES] e reconhecido que a situação estava pior do que se assumia”, mas faltou "humildade”. Reconhece que "o BdP seguiu uma certa estratégia, mas devia ter actuado mais cedo".  E que a CMVM devia também ter detectado os problemas mais cedo, nomeadamente de colocação de produtos financeiros, em especial, os vendidos junto de clientes de retalho do BES, pois quando não são depósitos (se forem depósitos a competência do BdP). A CMVM devia igualmente ter impedido o BES de ter realizado o aumento de capital de 1000 milhões em Maio de 2013. Nesta altura, os dois reguladores, BdP e CMVM, já dispunham de informações sobre a exposição do BES ao GES e a existência na ESI de um défice de 6000 milhões, o que traduzia que a holding estava falida.

Risco para o futuro
Os potenciais compradores do Novo Banco (que resultou do BES bom) "não vão provavelmente aceitar" os riscos associados à litigância [processos que estão a correr contra o Novo Banco no quadro da medida de resolução] o que se tornará um problema para o Fundo de Resolução, o vendedor da instituição intervencionada. "Se a litigância correr mal, quem vai pagar? Temo que as autoridades empurrem para o Fundo de Resolução e aí não há limite para o risco" da medida para o resto do sector, alerta. 

O banqueiro lançou ainda outra questão: e se o Novo Banco acabar por ser vendido por menos do que o valor lá investido (4900 milhões), por exemplo, "por 2000 milhões", então, "os bancos portugueses" vão ser "todos obrigados" a realizar a aumentos de capital? Ainda assim, o presidente do BPI admite que a medida impediu a contaminação ao resto do sector, mas "não pode ser um cheque em branco”.  E concluiu, em resposta à deputada do BE, Mariana Mortágua, que se o "novo Banco for bem vendido", se os investidores que forem lesados saírem bem, então a "história que tem ainda muitos capítulos até pode correr bem."

A mesma deputada perguntou: e a troika devia ter detectado os problemas? "Não considero aceitável que a troika, com representantes do BCE e da União Europeia, com grande experiência e responsabilidades no sector financeiro" não tenha detectado. "Tenho dificuldade em compreender" que estas entidades não tivessem olhado "para a informação pública" que existia já na altura. "Não consigo explicar, nem perceber", reforça. 

Ulrich alerta para o facto de no programa de assistência a Portugal constar um capítulo dedicado ao sistema financeiro, pelo que "é possível inferir que uma das preocupações centrais do acompanhamento e do trabalho da troika" seria garantir a estabilidade do sector, o que exigia uma análise à situação do BES.

Numa reacção a estas declarações do presidente do BPI, o chefe de missão do FMI em Portugal, Subir Lall, afirmou ao final da tarde desta terça-feira que foi surpreendido pelo colapso do BES, mas defendeu que o objectivo da troika era a estabilidade do sistema financeiro português e que essa foi garantida.

"Não tínhamos o mandato de supervisionar bancos específicos, aquilo para o que olhamos é para os potenciais impactos sistémicos", disse numa conferência realizada pela Ordem dos Economistas.

E, nesse capítulo, Subir Lall diz estar satisfeito com os resultados. "Sim, ficámos surpreendidos com o que aconteceu. Mas a estabilidade sistémica foi garantida e esse era o objectivo do programa."

Na audição no Parlamento, o presidente do BPI insistiu também: "O Governo impediu outras alternativas ao Fundo de Resolução, ou a combinação desta solução com outras alternativas." O Executivo decidiu "sem ouvir o sector, nem a Associação Portuguesa de Bancos".

"Preocupa-me sobretudo o impacto económico no sistema financeiro" de salvar o BES por via do Fundo de Resolução, confessou o banqueiro. E "se for muito significativo", então Ulrich diz que só pode "esperar que a 4 de Agosto, quem tomou a decisão, por acção ou omissão tenha tido o mínimo de consciência dos riscos para quem paga as facturas", que vão ser os bancos a operar em Portugal.

Mariana Mortágua perguntou também qual é a opinião do presidente do BPI sobre a mudança de posição do BdP e do Novo Banco em relação à perda dos investimentos realizados pelos clientes do BES em divida do GES, dado que inicialmente as duas instituições se responsabilizaram pelo pagamento. Apesar de notar que a sua observação é de quem não está dentro dos problemas, a mudança de opinião parece-lhe “ser bastante infeliz" pois foram criadas "expectativas que agora não se podem concretizar”, responde.

"Tenho muito gosto em estar aqui"
Perante a insistência de Teresa Anjinho,do PP, sobre o que podia ter sido feito no caso BES, a 3 de Agosto de 2014, o banqueiro explicou: "À meia-noite de 2 de Agosto", nada havia a fazer, só que os problemas e os sinais de degradação da situação no BES já existam desde 2011 no GES e desde 2009 no BESA. 

O presidente do BPI terminou a sua intervenção dizendo: "Não é segredo para ninguém que eu voto tradicionalmente PSD. E votei Passos Coelho e provavelmente votarei novamente. Tenho imensa pena, mas não é possível fazer a separação do Governo desta situação". E garante que "não concebe que a ministra das Finanças" se "desinteresse do que se passava no sistema financeiro português", até por, nessa qualidade, ser uma presença constante nos encontros europeus onde os temas ligados ao sector financeiro são debatidos. Ulrich declara-se "indisponível" para afirmar que o BdP é o único responsável pelo colapso do BES. E adianta que de tudo o que ouviu e leu concluiu que as responsabilidades "são mais vastas". Este é um "tema que não passa ao lado do Governo." Minutos depois, Fernando Negrão deu por concluída a audição de Fernando Ulrich.

Antes de começar a prestar esclarecimentos, Ulrich fez declarações de interesse: "Tenho muito gosto em estar aqui" por entender "que o trabalho da CPI é muito importante" e que é um dever "prestar contas aos representantes do povo". E que quem tem responsabilidades como as autoridades de supervisão, os auditores ou os governantes "deve prestar contas sobre as decisões com impacto" na vida do país.

O banqueiro fez ainda questão de lembrar que é amigo de muitos membros da familia Espírito Santo, e que respeita a obra que fizeram ao longo de várias gerações. Afirmou ainda ter consciência da enorme dificuldade em lidar com um problema desta dimensão e complexidade.

Fernando Ulrich entrou sozinho na sala onde está a decorrer a 49.ª audição da CPI, que nesta terça-feira irá também receber Paulo Portas. com Sérgio Aníbal

Notícia actualizada às 20h05: acrescenta declarações do chefe de missão do FMI em Portugal em reacção às afirmações de Ulrich sobre a troika

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