O mistério da Yupido, a empresa com um capital social de 29 mil milhões

Em 2016, uma empresa portuguesa sem funcionários ou receitas avaliou a sua plataforma tecnológica nuns astronómicos 29 mil milhões de euros. O caso está a suscitar uma onda de curiosidade.

Foto
Imagem do site da Yupido DR

Nos últimos dois dias, primeiro em redes sociais e depois na comunicação social (o Eco foi o primeiro a abordar o caso na quarta-feira), surgiram algumas informações – e muitas mais dúvidas – sobre uma estranha empresa portuguesa, chamada Yupido, gerida por jovens e com um capital social próximo dos 29 mil milhões de euros, um valor que é muito superior ao capital social das maiores empresas em Portugal e que assenta numa avaliação feita a uma plataforma informática desenvolvida pela empresa. A Yupido não tem receitas, nem funcionários e mesmo a descrição do site não torna clara a que actividade pretende dedicar-se.

Em fóruns online e no Twitter sucederam-se as tentativas de encontrar informação sobre uma empresa com activos de tão elevado valor, mas sem uma actividade concreta. 

Apesar da enorme curiosidade suscitada nos últimos dias, há muito mais perguntas por responder do que respostas concretas sobre a Yupido. Para que serve concretamente uma valorização de 29 mil milhões de euros? Exactamente o que é a plataforma que a empresa diz ter? Que planos de negócio tem? Porque é que as dúvidas sobre uma empresa criada há dois anos surgiram só agora?

O jornal Expresso noticiou no final da tarde de quinta-feira que a Polícia Judiciária está “a analisar” o caso. Também falou com uma pessoa identificada como um porta-voz da empresa, Francisco Mendes. “O capital tem por base uma operação global”, afirmou Mendes àquele jornal. “Trabalhamos em tecnologias de informação, estamos a preparar plataformas que visam servir pessoas e empresas. Para o próximo ano vamos lançar os primeiros serviços”.

Há muito ainda por responder. Mas há algumas perguntas com resposta.

Quando surgiu a Yupido?

A empresa foi criada como uma sociedade anónima em Julho de 2015, com sede em Lisboa, na Rua Tomás da Fonseca, Torre G, 1º, onde não foi possível contactar a empresa.

O conselho de administração da Yupido é presidido por Torcato André Jorge Caridade da Silva. A vice-presidente é Cláudia Sofia Pereira Alves.

O objecto social da empresa, que determina aquilo a que se pode dedicar, abarca praticamente todo o tipo de actividades, uma prática que não é incomum.

A empresa foi criada com um capital social invulgarmente elevado: 243.335.002 euros (viria a ser mais tarde aumentado significativamente). Deste montante, 243 milhões correspondem a um software para gestão de empresas. De acordo com o contrato da sociedade, trata-se de um “software de gestão para empresas, que funciona em multi-plataformas e é disponibilizado como um serviço (SaaS [a sigla de software as a service]), que inclui os módulos necessários para qualquer empresas operar, organizar e executar o seu negócio”. Este software “transita da esfera pessoal dos acima referidos dois accionistas Cláudia Sofia Pereira Alves e Torcato André Jorge Caridade Silva para a esfera da sociedade”.

Quem são os accionistas da Yupido?

Torcato Silva é um dos accionistas. Foi candidato do CDS à Assembleia Municipal de Loures e terá cerca de 26 anos. Para além do software, depositou na conta da empresa dez mil euros.

Cláudia Sofia Alves é dona de uma outra empresa chamada CPEGERH – Companhia Portuguesa de Economia e Gestão de Empresas e de Recursos Humanos, Unipessoal. Esta empresa é dona da marca Yupido e tem sede num outro espaço de escritórios virtuais, na Rua Fialho de Almeida, em Lisboa. O PÚBLICO tentou contactar Cláudia Alves através deste espaço, mas foi informado que a empresária não costuma estar no local. Entrou na empresa com outros dez mil euros.

Outro dos sócios é Filipe Antunes Besugo, que entrou com 15 mil euros. Foi presidente da comissão política concelhia da Juventude Popular de Loures.

Para além destes há ainda os advogados Tiago André Gama e Sofia Asseiceiro (com um euro cada um). Ambos trabalham na firma Pares Advogados, em Lisboa. O PÚBLICO tentou contactar os advogados, sem sucesso.

O que faz a empresa?

Não parece ter actividade. No site, a empresa diz, em inglês, ter sido criada para “se tornar um parceiro forte de todas as pessoas que pretendem servir a sociedade, sejam produtores, extractores, comerciantes de bens, artistas, profissionais liberais, media e distribuidores, aos quais chamamos os Fazedores”.

O site lista ainda dez pessoas em cargos executivos, entre os quais os três sócios fundadores e o presidente executivo Hugo Martins.

Em 2016, a empresa comunicou perto de 22 mil euros em gastos. Nenhum destes gastos foi com pessoal.

Até quarta-feira, duas pessoas tinham nas respectivas contas do LinkedIn a indicação de terem feito estágios de Verão na Yupido, em 2015: Vanessa Sousa e Luís Mira Santana Marques, ambos licenciados há pouco tempo. Em inglês, Vanessa Sousa descrevia o seu estágio desta forma: “Desenvolvimento de uma ideia através de um plano de negócios com cinco outros estagiários. Aprendizagem: falhar cedo é a maneira mais rápida de entrar no rumo certo.”

Depois das notícias sobre a Yupido terem surgido, ambos retiraram dos perfis do LinkedIn as referências aos estágios. Alguns dos sócios da empresa também alteraram os nomes ou apagaram contas noutras redes sociais.

De onde vêm os 29 mil milhões de euros?

Trata-se de um aumento de capital, feito em Janeiro de 2016. O capital da empresa após o aumento totalizava: 28.768.199.972 euros. É um valor muito superior ao de empresas como a Galp, a Sonae ou os bancos portugueses.

O aumento de capital não foi feito em dinheiro. Novamente, tratou-se do valor atribuído a uma plataforma tecnológica. Desta feita uma “plataforma digital inovadora de armazenamento, protecção, distribuição e divulgação de todo o tipo de conteúdo de media: destacando-se tal plataforma pelos algoritmos que a constituem, que são pertença dos accionistas subscritores do presente aumento de capital”.

O software foi avaliado pelo revisor oficial de contas António José Alves da Silva, consultor da sociedade de advogados Rogério Fernandes Ferreira. Ao contactar a sociedade, o PÚBLICO foi informado de que Alves da Silva não costuma trabalhar nos escritórios desta sociedade. Outras tentativas de contactar Alves da Silva falharam.

Alves da Silva é um revisor veterano e, de acordo com o site daquela sociedade, é desde 2011 membro do conselho superior da Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas.

O que há mais para saber?

A Yupido fez dois pedidos de registo de marca. A marca Quaquado, cujo pedido data de Agosto de 2016. E a Kuaboca, num pedido feito em Junho de 2015. Ambos foram concedidos. Registar uma marca implica perceber se não há marcas semelhantes e, no caso da Kuaboca, houve uma empresa que apresentou objecções: a Estoril Sol, dona do Casino do Estoril. O PÚBLICO contactou o casino mas não obteve respostas. com Karla Pequenino e Rita Marques Costa

Sugerir correcção
Ler 10 comentários