Vale a pena lutar?

A recente publicação do meu livro O Tribunal É o Réu (Editorial Caminho, Novembro 2014) provocou uma significativa série de telefonemas, mails e até de pedidos de consulta. Compreende-se que assim seja. As questões do divórcio, com realce para os dilemas surgidos nos tribunais nas situações de divórcio litigioso, atingem muitas pessoas, sobretudo homens que se separaram e que têm dificuldade em manter contacto com os seus filhos menores.

No momento da ruptura, os casais em causa não beneficiaram, em regra, de nenhum tipo de aconselhamento, orientação ou intervenção terapêutica. Imersos no conflito, recorrem ao tribunal, na esperança de que seja feita “justiça”. Na minha experiência, o recurso ao tribunal surge após diversas tentativas de chegar a acordo, propostas pelos advogados de ambas as partes, sem que tenha existido alguém isento e competente que tenha feito uma avaliação criteriosa da situação ou sugerido medidas correctas para proteger as crianças.

O problema é que, em Portugal, como descrevo no meu livro, os tribunais de família perpetuam o conflito e arrastam a decisão por vários anos, com evidente repercussão negativa na vida dos mais novos. Os juízes e procuradores, que remeto na minha obra para um papel de “guardiães do castelo de Kafka”, não têm, na maior parte dos casos, conhecimentos técnicos actualizados sobre o desenvolvimento infantil e juvenil, nem possuem treino na avaliação sistémica das famílias. As suas decisões, tardias em muitos casos, baseiam-se em “provas” transmitidas pelos progenitores que, em plena guerra emocional, não podem constituir testemunhos fiáveis.

Embora haja alguma evolução, os juízes continuam a dar grande preponderância aos pontos de vista das mães, remetendo os pais para um papel de pagador de pensão de alimentos, com visitas quinzenais tantas vezes em circunstâncias difíceis. Noutros casos, têm uma visão a priori do problema, começando desde o início a impor a ideia da guarda partilhada, com o argumento, repetido ad nauseam, de que “a criança tem de ficar com o pai e com a mãe”. Se é possível defender, sob ponto de vista teórico, que a guarda partilhada faz sentido porque se aproxima do modelo familiar — pela presença, na vida da criança, de ambos os progenitores —, a decisão dessa partilha requer uma avaliação muito pormenorizada, a que o tribunal não procede.

Não admira que nesta situação kafkiana, como acentuo em O Tribunal É o Réu, abundem as situações de incumprimento, arrastando-se a decisão por vários anos. Quando as acusações são graves, como acontece no caso de existirem práticas de alienação parental por parte de um dos progenitores, é possível que a criança fique proibida de ver um dos pais por largos anos. Quando a decisão é corrigida, em regra por tribunal superior, os danos causados na relação pai-filho são irreparáveis.

Os tribunais de família e menores esquecem um dado inquestionável da investigação: o divórcio, sobretudo o litigioso, tem repercussão negativa no futuro da criança, não pela ruptura em si, mas sim pelos factores de risco a que aparece associada. Nestes factores, o mais importante é a manutenção do conflito entre os pais, que o tribunal não deixa de perpetuar.

As dezenas de pais que me procuram e que estão privados de ver os seus filhos questionam-me: “Vale a pena lutar para, um dia, podermos voltar a ver as nossas crianças?” A minha resposta é sempre a mesma: nunca se pode desistir de um filho.

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