Um direito de todos contra a prepotência de alguns

Os direitos fundamentais não são referendáveis. Alguém defende que se referende o direito à vida ou o direito ao trabalho?

O PÚBLICO, na sua edição de 10/07/2016, trouxe ao nosso conhecimento uma entrevista com Maria do Céu Patrão Neves (MCPN) a propósito do seu livro O Admirável Horizonte da Bioética. Estranhamente, a entrevistada fala da problemática da morte assistida (MA), mas sem apresentar razões ou argumentos que fundamentem a sua recusa da despenalização da eutanásia e do suicídio medicamente assistido, limitando-se a insistir no referendo e recusando a legitimidade de maiorias parlamentares tomarem uma decisão.

Mas, ainda assim, no muito pouco que diz, consegue distorcer o posicionamento do movimento Direito a Morrer com Dignidade, motivo pelo qual nos sentimos na obrigação de  escrever estas linhas.

MCPN afirma, e bem, que «Esta questão tem de ser debatida pela sociedade”. Mas, pasme-se, critica a iniciativa do movimento que precisamente lançou o debate porque “surgiu com um manifesto”.

MCPN esquece-se de dizer duas coisas. A primeira é que nunca, até à publicação do Manifesto, a despenalização da Morte Assistida tinha sido objecto de tão alargado debate. A segunda é que, existindo em Portugal múltiplas entidades dedicadas à ética, à bioética e às ciências da vida, incluindo aquelas onde MCPN intervém, elas nunca foram capazes ou quiseram abrir este debate. É por isso caricato ouvir MCPN lamentar-se da falta de discussão e criticar aqueles que a desencadearam.

MCPN levanta a bandeira do referendo: “... esse movimento diz que não precisa de um referendo. Ora, isto é contrário a tudo o que defendo  de debate da bioética como fórum". Tem toda a legitimidade para o defender, mas há um problema: está a defender um processo ilegítimo, porque referendar direitos individuais não tem qualquer legitimidade, é admitir e permitir a ditadura de uns tantos sobre todos os outros.

Neste referendo o que estaria a ser sujeito a votação seriam direitos fundamentais dos cidadãos - à liberdade de religião, de consciência e de convicções ideológicas, bem como o direito à dignidade pessoal e à autonomia/autodeterminação. Ora, os direitos fundamentais e a Constituição da República Portuguesa, que os define e consagra, não são referendáveis. Alguém defende que se referende o direito à vida ou o direito ao trabalho?

O referendo é um estratagema. Insistem nele, não porque pensem ganhá-lo, mas porque a sua realização implicaria o protelamento, sabe-se lá por quanto tempo, da aprovação da legislação regulamentadora da morte assistida e, por outro lado, porque apostam que a abstenção venha a invalidar o seu resultado e, por esse meio, dificultar a iniciativa de legislar a despenalização. A democracia não é, de facto, o seu forte .

Aliás, é precisamente por não ser o seu forte, que MCPN passa um atestado de incompetência ao Parlamento e à maioria que nele se possa constituir, afirmando:  "Estes esquemas de 'agora podemos avançar porque temos uma Assembleia da República favorável'... Isto não é respeitador do cidadão".

Esclarecemos, mais uma vez: não houve nem há qualquer tipo de "esquema" por parte dos promotores do Movimento. Após anos em que foram trocando ideias, no início de 2015 Laura Ferreira dos Santos e João Ribeiro Santos decidiram finalmente promover este movimento, cuja primeira reunião foi convocada em 21 de Setembro e viria a realizar-se no Porto a 14 de Novembro. Não possuímos o dom de adivinhação que, à data, nos permitisse antecipar os resultados eleitorais e, muito menos, as movimentações partidárias que conduziram à constituição do actual Governo.

Como é possível que alguém como MCPN, para quem um grupo de cidadãos pode impor as suas convicções a toda a sociedade e que, durante tantos anos, conviveu sem pestanejar com esta prepotência, venha agora, tão candidamente, preocupar-se com o respeito pelos cidadãos?

Membros do Movimento Direito a Morrer com Dignidade   

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