Pescadores acusam Governo de não fiscalizar águas nacionais

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A comunidade piscatória portuguesa, sobretudo a algarvia, está em pé de guerra Adriano Miranda/PÚBLICO

Abalroamentos de embarcações, tiros e apedrejamentos são cada vez mais comuns nas águas portuguesas. No dia 2, ao largo de Montegordo, teve lugar uma refrega entre tripulantes de embarcações espanholas e agentes da Polícia Marítima, com um deles a ser lançado ao mar. "Isto só se vai resolver quando acontecer uma desgraça", preconizou ao PÚBLICO um sindicalista.

"Os desacatos no mar, com pescadores espanhóis, são frequentes, sobretudo no último ano. Ainda em Agosto, também no Algarve, se registaram problemas muito graves", disse Narciso Clemente, um director do Sindicato de Fogueiros de Terra e da Mestrança e Marinhagem de Máquinas da Marinha Mercante. "A culpa de tudo isto pertence, em primeiro lugar, ao Governo, uma vez que não há fiscalização suficiente. As medidas agora anunciadas por Paulo Portas, que mandou dois barcos da Marinha para patrulharem a zona de Vila Real de Santo António, é tardia e, se calhar, insuficiente, pois há muito que o chefe de gabinete do Secretário de Estado das Pescas foi avisado do que se tem vindo a passar, inclusive de abalroamentos propositados dos barcos espanhóis aos portugueses", adiantou.

Narciso Clemente, que defende uma acção concertada entre a Secretaria de Estado das Pescas e a Marinha, disse ainda que, diariamente, são às dezenas os barcos espanhóis que fazem a faina ilegal nas águas portuguesas, quer por não estarem autorizados, quer por utilizarem artes proibidas. "O pior é que muitos deles [pescadores espanhóis] vêm armados de caçadeiras".

Se a situação no Algarve é grave, também o que alegadamente se passa na zona Norte, com pescadores galegos, preocupa o presidente do Sindicato Livre dos Pescadores, Joaquim Piló. "O sindicato tem vindo a denunciar inúmeras infracções, como seja nas áreas de Caminha e Viana do Castelo, da pesca à sardinha feita à bomba". "Alguns pescadores já têm medo, mas, apesar das denúncias, pouco ou nada se faz... A Marinha diz que não tem meios suficientes para intervir... até que algum dia aconteça uma desgraça".

Para Joaquim Piló, os acontecimentos recentes podem vir a repetir-se. É que, afirma, com a maré negra que afecta a região da Corunha, fazendo com que diminua o pescado naquela zona e, por conseguinte, aumentem os preços das espécies, há a tentação dos pescadores do Sul, neste caso os de Huelva e ilha Cristina, intensificarem as capturas, invadindo com mais assiduidade as águas nacionais. "Eles [os pescadores espanhóis] rapam tudo, sejam bivalves (amêijoa), marisco (lagostim e camarão) ou polvo e choco".

Um desfilar de artes ilegais

"Os espanhóis são os grandes infractores e estão-se nas tintas para a regulamentação comunitária", disse, por sua vez, o coordenador do Sindicato dos Trabalhadores da Pesca do Sul, Josué Tavares Marques. Esta acusação reporta-se, sobretudo, à utilização, nos barcos espanhóis de artes proibidas. "Ainda recentemente esteve apresado, durante alguns dias, em Olhão, um barco espanhol que estava equipado com uma 'chupona'", um engenho que suga todo o fundo do mar, capturando todas as espécies, mesmo as que não possuem as dimensões permitidas, e que posteriormente expele a areia e as cascas.

As apreensões de barcos que fazem a faina ilegal não é, no entanto, uma constante. "Isso deve-se à falta de fiscalização. A Marinha diz que tem quatro barcos para patrulhar todo o Algarve, mas a verdade é que aqui há bem pouco tempo eles próprios diziam que nem sequer tinham dinheiro para o combustível", disse ainda Josué Marques.

"Os espanhóis fazem arrasto em locais proibidos, utilizam malhas proibidas, fazem a 'chicha' [cerco] e nada lhes acontece", diz, por sua vez, Joaquim Piló. "Nós [os pescadores portugueses] somos fiscalizados, e muito bem, no mar e nas lotas. Mas enquanto em Portugal um polvo, por exemplo, não pode ser capturado tendo menos de 750 gramas, em Espanha e em França vende-se tudo à vontade, sem quaisquer problemas", disse.

Joaquim Piló lembrou ainda que os espanhóis compraram grande parte de frota de arrasto portuguesa e que agora, mantendo a bandeira portuguesa, pescam indiscriminadamente nas águas nacionais, sem que, ao chegarem aos portos de Espanha, sejam fiscalizados os respectivos diários de pesca. "Levam de cá as espécies mais ricas e atiram borda fora tudo o que não lhes interessa, destruindo os pesqueiros. Tudo isto porque apenas existe uma dúzia de vedetas para fazer a fiscalização em toda a costa portuguesa. E a situação ainda é pior nas ilhas, onde os espanhóis, franceses e japoneses pescam à vontade o peixe mais caro, infringindo todas as regras e praticamente sem serem importunados".

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