Inquérito alimentar nacional já tem um quarto de século

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No início deste ano, o ex-ministro da Saúde desbloqueou uma verba que dá apenas para o arranque do projecto EPA

Foi há um quarto de século que pela primeira - e única vez até à data - se realizou em Portugal um inquérito alimentar de âmbito nacional. O projecto para a realização de um novo estudo deste tipo permaneceu anos a fio no Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge (INSA) à espera de financiamento.

No início deste ano, antes da mudança de Governo, o ex-ministro da Saúde Luís Filipe Pereira emitiu um despacho interno a mandar avançar o segundo Inquérito Alimentar Nacional, mas disponibilizou apenas dinheiro para o seu arranque, um pouco mais de 200 mil euros, alegando que não queria comprometer os seus sucessores com uma despesa para quatro ou cinco anos, explicou ao PÚBLICO o director do INSA, Fernando Almeida.

Sublinhando que já estão em curso negociações com o Instituto Nacional de Estatística (INE) e com a Agência Portuguesa para a Segurança Alimentar, Fernando Almeida nota que vai ser necessária a adesão de mais ministérios, nomeadamente o da Agricultura e o da Economia, para que um projecto desta magnitude se possa concretizar. "O inquérito demora muito tempo a fazer" e, na melhor das hipóteses, ficará por cerca de "10 milhões de euros", estima.

Os objectivos são ambiciosos: para além de estudar a associação entre consumos de alimentos e nutrientes a nível nacional por regiões, sexo, grupos etários e sócio-económicos, pretende-se analisar alguns factores de risco de doenças crónicas.

O INSA vai delinear e controlar o inquérito, mas será o INE a encarregar-se da fase operacional. Seja como for, o trabalho de campo terá que ser efectuado por pessoas com alguns conhecimentos e formação na área da nutrição, até porque envolve "questões complicadas". "Não se pode perguntar a um adolescente, à frente dos pais, o que é que ele comeu ao almoço", exemplifica o director do INSA.

Conselho de Nutrição vai ser reformulado

Quem se cansou de esperar por financiamento foi Amorim Cruz, do Centro de Estudos da Nutrição do INSA, que em 1980 participou no primeiro inquérito alimentar nacional - coordenado pelo ex-ministro da Saúde Gonçalves Ferreira. Nessa altura, o estudo foi efectuado graças à colaboração dos trabalhadores das extensões rurais, que, depois de treinados, inquiriram mais de 13 mil pessoas, conseguindo-se assim uma espécie de retrato de um dia de consumos alimentares em todo o país.

Ao longo dos últimos 15 anos, Amorim Cruz apresentou várias propostas para a realização de um novo inquérito. Na última versão (com um custo estimado de meio milhão de euros) candidatou-o ao financiamento da Fundação para a Ciência e Tecnologia, mas o ansiado "sim" nunca chegou. Reformado há dois anos, o especialista lamenta que Portugal não disponha de dados actualizados a este nível, apesar de terem ocorrido modificações sócio-económicas profundas no país.

"Representei Portugal na União Europeia e utilizei sempre estes dados", afirma, lembrando que, em 1999, quando se fez um inventário sobre os estudos deste tipo existentes nos vários países no âmbito do projecto European Food Consumption, Portugal aparecia já como o mais desactualizado. "É uma caricatura, até os países do Leste nos ultrapassam nesta área", reforça Fernando Almeida.

Assunto barrado na Assembleia da República

Amorim Cruz abandonou também há um ano o Conselho Nacional de Alimentação e Nutrição, um órgão interministerial de consulta do Governo criado em 1980. "Os governos ignoram completamente o Conselho", que "não funciona na prática", explica. Fernando Almeida, que é presidente deste órgão na qualidade de director do INSA, concorda com o especialista, mas adianta que o Conselho vai ser reformulado em breve.

A nível político, o único apoio acabaria assim por vir dos responsáveis do partido "Os Verdes", que, em 2004, depois de se terem apercebido desta lacuna durante uma iniciativa sobre segurança alimentar, tentaram que as verbas necessárias para a realização do inquérito alimentar fossem desbloqueadas. "Os Verdes" apresentaram mesmo um projecto de resolução que chegou a ser discutido no Parlamento, mas foi rejeitado pela maioria PSD/PP, em 7 de Outubro do ano passado.

Os deputados usaram "argumentos estapafúrdios", recorda a deputada Heloísa Apolónia, exemplificando que "um parlamentar do PSD" alegou que o inquérito não era prioritário porque "os portugueses sabiam bem o que comiam e bebiam". Com a mudança de governo, sem terem conhecimento do despacho de Luís Filipe Pereira, "Os Verdes" voltaram à carga e apresentaram um novo projecto de resolução em Maio último, que ainda não foi agendado.

Mas o principal argumento que tem sido usado para justificar a dispensabilidade do inquérito alimentar nacional é o de que o INE elabora a Balança Alimentar Portuguesa, que estima os consumos médios diários. Amorim Cruz e Fernando Almeida contestam esta tese, notando que as balanças alimentares não dão conta dos consumos a nível individual nem da forma como são confeccionados os alimentos, dado que são uma capitação dos produtos alimentares adquiridos.

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