Desmaios nos comboios levam a campanha contra o jejum

Iniciativa é da Fertagus. Episódios de doença súbita ocorrem no período de ponta da manhã e provocam atrasos em cadeia em comboios que vão lotados. Fruta e iogurtes serão simbolicamente distribuidos

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De 2012 a Outubro de 2016 foram contabilizados 372 casos de doença súbita, dos quais 82 no interior dos comboios daniel rocha

“Por favor, não apanhe o comboio em jejum". Esta é a mensagem que a Fertagus vai passar aos seus clientes com uma campanha que tem início esta manhã destinada a tentar reduzir o número de episódios de doença súbita a bordo dos seus comboios motivados por pessoas que não tomaram o pequeno-almoço.

A empresa que detém a concessão do serviço suburbano entre Lisboa e Setúbal deu-se conta que este tipo de indisposições provoca atrasos nos comboios que prejudicam milhares de pessoas. É que a imobilização de uma composição que aguarda numa estação que se preste socorro a um passageiro faz com que outros comboios fiquem parados em plena via.

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O cartaz da campanha que começa hoje

A solução passa por uma mensagem: “Viajar sem tomar pequeno almoço pode afectar a viagem de todos!”. Este slogan é lançado nesta segunda-feira, em cartazes nas estações e nos comboios, no site da empresa e no jornal Destak. Paralelamente, nos próximos dias haverá distribuição gratuita de iogurtes e fruta aos clientes nos períodos de manhã aos passageiros desta empresa.

A campanha revela que no primeiro semestre de 2016 ocorreram 46 episódios de doença súbita que prejudicaram a pontualidade de 51 comboios num total de 209 minutos. Por isso, a Fertagus recomenda aos seus clientes que nunca iniciem uma viagem sem tomar o pequeno-almoço, que levem sempre uma garrafa de água e que, em caso de indisposição, devem sair na estação seguinte e pedir ajuda em vez de permanecer dentro do comboio.

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“Os episódios de doença súbita são um dos factores que mais penaliza a pontualidade dos comboios e que pode ser minimizado se forem alterados alguns comportamentos”, diz Raquel Santos, da Fertagus, convicta de que esta campanha poderá fazer diminuir o número de desmaios a bordo.

De 2012 a Outubro de 2016 foram contabilizados  372 casos de doença súbita, dos quais 82 no interior dos comboios. “Quando há um caso desses, o procedimento é tentar retirar a pessoa do comboio e chamar o 112, mas quando não se revela possível porque a vítima está inanimada, o socorro é solicitado para o comboio na estação imediatamente a seguir”, explica.

O atraso que estes casos podem provocar num comboio depende da rapidez de resposta dos serviços de emergência, mas normalmente, situa-se entre 20 a 40 minutos. Um atraso que se repercute nas circulações que vêm imediatamente a seguir, sobretudo se for em hora de ponta.

“A esmagadora maioria destas ocorrências verifica-se no período da ponta da manhã, entre as 7h00 e as 10h00”, diz Raquel Santos. E estes casos podem chegar a afectar milhares de passageiros, pois cada comboio da Fertagus tem capacidade para 1210 pessoas, das quais 476 vão sentados. Diariamente, e apenas nos denominados períodos de ponta, a empresa transporta 40 mil passageiros.

Raquel Santos diz que não há nenhum processo formal para aferir as causas dos desmaios. Contudo há a preocupante coincidência de a maioria ocorrer de manhã.  “Os nossos colaboradores apercebem-se, através da própria vítima ou aquando da intervenção de socorro, estarem muitas vezes em presença de pessoas que estão em jejum”, reconhece.

As razões para sair de casa sem tomar o pequeno-almoço são variadas e nem sempre se prendem com dificuldades económicas. Aliás, nas escolas, os professores confrontam-se diariamente com adolescentes com sintomas de fraqueza porque estes vêm em jejum para as aulas, preferindo comer depois no bar da escola.

O PÚBLICO questionou a CP sobre se ocorria o mesmo problema nas suas linhas, mas a empresa não deu resposta em tempo útil. Contudo, dirigentes do Sindicato Ferroviário da Revisão Comercial Itinerante são peremptórios em afirmar que os episódios de doença súbita nos comboios suburbanos são muito frequentes, tendo atingido um pico durante os anos mais duros da austeridade.

Luís Bravo, dirigente do sindicato, afirma que tem a percepção de que “muitas vezes são pessoas que não têm dinheiro para comer”, embora admita que essa possa não ser sempre a razão pela qual os passageiros tomam o comboio em estado de fraqueza. "Houve um caso em que uma pessoa estava mal disposta e o maquinista ofereceu-lhe parte do almoço que trazia e ela ficou melhor”, relatou ao PÚBLICO.

João Laureano, também dirigente sindical e revisor nas linhas da CP Lisboa, confirma que os episódios de doença súbita são quase diários e praticamente todos ocorrem no período da manhã. Ele próprio anda com um pacotinho de açúcar no bolso para dar a algum passageiro em caso de urgência, seguindo uma recomendação que aprendeu num curso de primeiros socorros.

A CP costuma dar acções de formação em socorrismo ao seu pessoal de revisão, pelo que muitos revisores sabem como actuar no imediato perante episódios de doença súbita. Foi o que aconteceu com um colega ferroviário, que seguia num comboio quando um passageiro entrou em hipoglicemia. Deu-lhe uma maçã e melhorou de imediato.

Sem dados fornecidos pela empresa não é possível saber qual o impacto que estas situações têm na pontualidade dos comboios da CP. João Laureano afirma que depende do tempo que a composição fica parada à espera dos serviços de emergência e do local onde se encontra. Quando há linhas quádruplas, é possível que os comboios que vêm atrás possam ultrapassar o que está parado, mas em via dupla isso já é mais difícil, sobretudo à hora de ponta. No caso da linha de Cascais, por exemplo, um episódio de doença súbita num passageiro que tenha de ser socorrido no comboio, implica o atraso das restantes composições.

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