Caso Sócrates: os prazos de investigação são mesmo para cumprir?

Jurisprudência tem jogado a favor dos investigadores que não conseguem trabalhar dentro dos limites temporais estabelecidos na lei.

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Daniel Rocha

Os advogados de José Sócrates reagiram ao anúncio de mais um adiamento do fim da investigação do processo resultante da Operação Marquês anunciando que vão impugnar a prorrogação do prazo. Mas terão sucesso?

Apesar de a esmagadora maioria das decisões – se não todas – que têm vindo a ser tomadas pelos tribunais sobre a questão postular que o prazo máximo de 18 meses fixado no Código de Processo Penal para a duração das investigações especialmente complexas é meramente indicativo, e não obrigatório, no mundo das leis há quem pense de forma diferente. Desde logo o bastonário dos advogados, Guilherme Figueiredo, para quem é preciso levar em linha de conta o que diz a Constituição: que todos têm direito a ser julgados ou a ver quem os prejudicou ser julgado num prazo razoável. Admitindo que a jurisprudência existente vai no sentido contrário ao que defende, o bastonário cita Montesquieu: “A injustiça perpetrada contra um transforma-se em ameaça contra todos.”

“Daqui para a frente o único limite temporal que passa a existir para a condição de arguido é o da prescrição dos crimes de que é suspeito – o que, neste caso, redundaria em 18 anos. Uma barbaridade!”, indigna-se o ex-dirigente da Ordem dos Advogados Godinho de Matos, para quem este caso “põe em causa as instituições.”

"Pode arquivar-se, para se reabrir mais tarde"

Mas o juiz conselheiro e procurador jubilado Simas Santos garante que não é, de facto, obrigatório o Ministério Público cumprir o prazo previsto na lei. O magistrado aponta, porém, outro caminho: “Quando a produção de prova não é conclusiva o processo pode arquivar-se, para se reabrir mais tarde.” Por outro lado, acrescenta, “penso já estar ultrapassada a ideia de reunir tudo num único processo para fazer um único julgamento” quando estão em causa situações altamente complexas, como é o caso. Simas Santos não nega os prejuízos que o arrastar do prazo traz aos implicados num processo: “O sistema em vigor destina-se a equilibrar os interesses conflituantes das diferentes partes. Mas nem sempre o consegue.”

Também o penalista André Lamas Leite, da Universidade do Porto, fala na possibilidade de dividir o processo em partes, por forma a avançar com algumas enquanto outras ainda permanecem sob investigação. O docente não tem dúvidas de que o prazo máximo de inquérito permitido por lei – que neste caso seria de 18 meses acrescidos de nove, por causa das cartas rogatórias enviadas para outros países a pedir-lhes diligências judiciais, explica – pode realmente ser excedido sem que daí resultem nulidades processuais. “Duvido que a impugnação dos advogados de José Sócrates seja sequer aceite no Tribunal da Relação. Mas se o for dir-lhes-ão quase de certeza que o prazo é meramente indicativo”, antecipa. 

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