Consulados que facultarem dados de emigrantes arriscam-se a praticar crime

Direcção-Geral dos Assuntos Consulares pediu um parecer à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, que foi favorável. Protecção de Dados está contra.

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Os consulados que facultarem dados pessoais dos emigrantes a terceiros que lhos peçam arriscam-se a serem multados ou mesmo a cometerem um crime, considera a Comissão Nacional da Protecção de Dados.

Na sequência de um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, há pelo menos um consulado português — o de Madrid — que resolveu avisar os emigrantes aí registados de que iria passar a facultar os seus dados pessoais a quem lhos pedisse (nome, filiação, morada, contactos, número de cartão de cidadão e de passaporte). A não ser que o próprio manifestasse expressamente a sua vontade de manter essa informação em sigilo.

Já depois de a situação ter sido noticiada pelo Observador, a secretaria de Estado das Comunidades veio dizer que tinha mandado suspender a disponibilização dos dados dos emigrantes, uma vez que estava à espera de um parecer da Comissão Nacional da Protecção de Dados (CNPD). Esta entidade explica que ainda não o emitiu, até porque o pedido lhe chegou apenas há alguns dias, mas a sua secretária-geral, Isabel Cruz, vai adiantando uma posição sobre a matéria: “À luz da lei vigente não há qualquer fundamento para o acesso por terceiros aos dados pessoais dos emigrantes, nos termos em que foi anunciado.” Mais: segundo a mesma responsável, os consulados que fornecerem estes dados “arriscam-se a uma multa ou mesmo a cometerem um crime”, uma vez que estão a dar aos dados pessoais um destino diferente daquele para o qual foram recolhidos, ainda por cima sem autorização da CNPD.

A Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos pronunciou-se sobre a questão a pedido da Direcção-Geral dos Assuntos Consulares, que recebe com frequência pedidos de particulares para os ajudar a localizar portugueses residentes no estrangeiro – seja para poderem intentar uma acção judicial, seja para um simples convite para um casamento, por exemplo. Num parecer emitido em Junho passado, o juiz conselheiro que preside àquela comissão e outros cinco membros invocam anteriores posições já tomadas por esta entidade: “Ninguém de bom senso dirá que penetrou na intimidade da vida privada de alguém só porque sabe o seu nome e o local da sua residência.” Também os números de telefone e de telemóvel constituem, no seu entender, informação passível de ser disponibilizada a terceiros, excepto quando seja confidencial ou os seus titulares se oponham expressamente a isso.

O mesmo sucede, no seu entender, no caso dos números do cartão de cidadão e de passaporte. Só um dos membros da comissão que se pronunciaram sobre o problema manifesta uma opinião diferente. “Algumas destas matérias são reguladas em diplomas legais que afastam a possibilidade de acesso generalizado e livre à informação por parte de terceiros”, observa Helena Delgado António, que foi designada para integrar a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos precisamente pela CNPD. O PÚBLICO tentou falar com os membros da comissão sobre o assunto, mas ninguém estava disponível.

Entretanto, o PCP já se manifestou contra a medida, tendo anunciado que fará “tudo ao seu alcance” para que “os cidadãos portugueses deixem de estar sujeitos à devassa da sua vida”. Nem o facto de, nalguns países, terem sido enviadas cartas a avisar os residentes portugueses da medida atenua, para os comunistas, a situação, uma vez que muitos deles estão de férias longe de casa, sem acesso à correspondência escrita.

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