Agentes da PSP e juristas de entidades públicas prometiam "apagar multas" a troco de dinheiro

Rede estava montada desde 2015 e motivou as buscas desta manhã da PSP aos vários organismos que gerem as multas e as cartas de condução. Dois funcionários foram detidos, a que se juntou um terceiro detido pelo crime de detenção de arma proibida.

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Rui Gaudêncio

Era uma fraude que envolvia uma rede alargada de advogados, agentes da divisão de trânsito da PSP e funcionários e juristas da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), do Instituto de Mobilidade dos Transportes (IMT), da Polícia Municipal e do Automóvel Clube de Portugal (ACP): dedicavam-se a identificar condutores autuados pela prática de contra-ordenações rodoviárias e propunham-se obter decisões que fossem favoráveis aos autuados e a eliminar o registo das multas no Registo Nacional de Condutores, ou seja, o cadastro rodoviário. Nalguns casos, prometiam segundas vias das cartas de condução. Tudo a troco de dinheiro. E tudo de forma ilegal.

O esquema funcionava desde 2015 e desde há um ano e meio que estava a ser investigado pela PSP. Na execução das buscas ordenadas pelo Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa, aquela polícia deteve esta manhã três pessoas, duas das quais visadas pelos mandados de detenção e um terceiro indivíduo indiciado pelo crime de detenção de arma proibida. Um dos detidos nesta operação exerceu funções de contra-ordenações rodoviárias da Divisão de Trânsito da própria PSP, esclareceu a Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa numa nota emitida esta manhã.

Corrupção activa e passiva, acesso ilegítimo, falsidade informática, favorecimento pessoal, denegação de justiça e prevaricação são os crimes em causa que justificaram as buscas desta manhã que tiveram como alvos a ANSR, o IMT, a Polícia Municipal e as instalações da própria PSP, mais concretamente da divisão de trânsito, na Rua José Estêvão.

Os cerca de 170 elementos da PSP, auxiliados pela Unidade de Telecomunicações e Informática da PJ e acompanhados por magistrados da 9.ª Secção do DIAP de Lisboa, fizeram ainda buscas a residências e viaturas de funcionários envolvidos nesta fraude e a um escritório de advogados, num total de 31 mandados.   

A Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) garantiu esta manhã ao PÚBLICO, enquanto decorriam as buscas, no edifício deste organismo, no Tagus Park, em Oeiras, que a ANSR está "a prestar todo o apoio e disponibilidade às autoridades", conforme adiantou o assessor deste organismo, Pedro Silva. O edifício do Instituto de Mobilidade e Transportes, na Avenida Elias Garcia, foi fechado e a maioria dos funcionários foi mandada para casa, sendo que, ao início da tarde, as buscas ainda estavam a decorrer.

Entretanto, o presidente do Automóvel Clube de Portugal, Carlos Barbosa, nega peremptoriamente o envolvimento da organização que dirige neste processo. “O ACP não tem nada a ver com multas de trânsito. Até estamos proibidos pela Ordem dos Advogados - mal, quanto a mim - de patrocinarmos os nossos sócios em tribunal nessa matéria”, observa, acrescentando que não conseguiu quaisquer informações junto do Departamento de Investigação e Acção Penal. “A chefe do contencioso do ACP ligou para lá e disseram-lhe que como o caso se encontrava em segredo de justiça não podiam adiantar mais do que aquilo que tinham divulgado em comunicado”, lamenta Carlos Barbosa. 

Tanto quanto o PÚBLICO apurou, nenhuma das organizações ou entidades mencionadas são visadas na investigação, mas sim vários funcionários que para elas trabalhavam e que integravam esta rede. É de resto isso mesmo que explica a Câmara de Lisboa, quando diz que a Polícia Municipal não está a ser investigada no âmbito desta operação: "A única ligação da Polícia Municipal a este caso tem a ver com o facto de dois elementos recém-integrados (há cerca de uma semana) neste serviço do município serem provenientes da Divisão de Trânsito da PSP e estarem a ser alvo dos mandados de busca emitidos no quadro desta investigação do DIAP, por alegados atos ilícitos praticados no exercício de funções naquela divisão" policial.

 

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