O arranque-surpresa das autárquicas do PS

Ruptura consumada com Rui Moreira, o partido lançou Manuel Pizarro para o Porto. O palco já estava montado para a Convenção de lançamento da pré-campanha para as autárquicas do próximo Outono.

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Manuel Pizarro e António Costa, os protagonistas da Convenção Nacional autárquica do PS Nuno Ferreira Santos

António Costa chegou, a pé, pelo jardim do Parque Eduardo VII, ao Pavilhão Carlos Lopes, em Lisboa, onde decorria a Convenção Nacional Autárquica do PS. Veio acompanhado por Ana Catarina Mendes, a secretária-geral adjunta que, ao admitir que uma vitória de Rui Moreira no Porto seria também uma vitória socialista, levou o autarca do Porto a torcer o nariz ao apoio do PS.

Era sobre o Porto que António Costa queria falar, à entrada da convenção. Sorridente, gracejando, o secretário-geral começou por “saudar o doutor Manuel Pizarro e a concelhia do Porto pela decisão que tomou”, nesta mesma manhã de sábado. Uma decisão, esclareceu, que é “exclusiva da estrutura concelhia”, recusando ter sido ele, António Costa, a forçar a candidatura autónoma do PS, após a expressão de incómodo de Rui Moreira.

O tom da nova estratégia autárquica para o Porto, depois deste inesperado volte-face, está dada:  “Amigo não deve empatar amigo. Nós não queremos ser indesejados em parte nenhuma.”

Ou seja, o PS não renega o passado recente, nem a avaliação positiva que fazia do primeiro mandato de Moreira. “Não mudamos em 24 horas o nosso pensamento.” Foi um mandato em que Moreira, e o PS, desenvolveram “um trabalho de grande qualidade”, elogiou Costa. O PS, garante, foi sempre “leal”. Por isso, o partido resolveu desde cedo apoiar Moreira para um segundo mandato. “Foi um apoio unilateral sem negociar lugares, nem posições nas listas”, frisou. Mas, ontem, esse apoio tornou-se indesejado... “O PS não se impõe onde não é desejado”, concluiu Costa.

Manuel Pizarro demorou a chegar à convenção. O médico que preside à distrital do Porto, aliás, nem era suposto estar presente no encontro em Lisboa. “Eu não contava estar aqui hoje...” Mas a “profunda alteração do quadro político” mudou tudo. Pizarro garante que tem honra de repetir a candidatura ao Porto, pelo PS, e apesar de defender o mandato camarário encabeçado por Moreira, e de garantir que não está “zangado”, deixou um recado: “Não aceito que me diminuam”, por ser dirigente do PS.

O nome de Manuel Pizarro, que preside à distrital do PS-Porto, foi aprovado este sábado “por unanimidade e aclamação” pela concelhia socialista para disputar as eleições autárquicas frente a Rui Moreira com quem o partido mantém um acordo pós-eleitoral para a governação da câmara. Manuel Pizarro é actualmente vereador da Habitação e da Acção Social e número dois na câmara liderada por Rui Moreira.

As críticas do PS a Moreira ficaram guardadas, na convenção, para outras vozes. Eduardo Vítor, da vizinha Gaia, criticou o que chamou de “egos galácticos”. Miguel Alves, autarca de Caminha, lembrou que não é só em França que existe populismo: “Há preconceito antipartidos também no Porto.”

A sala, montada em plano circular, em frente a um ecrã de vídeo, encheu-se de autarcas e candidatos, para um debate diferente do habitual. Além de algumas intervenções iniciais (todas curtas, de três minutos), o PS dividiu os temas em palestras tipo Ted talk, em que os oradores apresentavam os temas com um microfone auricular, circulando pelo palco, e os autarcas faziam curtos comentários ou apresentavam experiências.

Nem todos os oradores falaram em nome do PS. Luísa Schmidt, investigadora do ICS, começou aliás a sua apresentação a lembrar “a lista de atrocidades ambientais” cometidas pelas autarquias, incluindo as socialistas.

O orador mais aplaudido foi, contudo, o autarca de Paredes de Coura, Víctor Paulo Ferreira, que subverteu a lógica “powerpoint”, ao apresentar slides com números que arrancavam cada vez mais gargalhadas da audiência, como aquele que mostrava “236”, o número de almoços que teve no último mandato, porque “é à mesa que se fazem alguns negócios”.

Críticas no Porto

Mas não foi à volta de uma mesa que o “negócio” com Moreira se desfez. A decisão de avançar com candidatura própria foi tomada neste sábado numa reunião da estrutura concelhia em que, de acordo com relatos feitos ao PÚBLICO, se ouviram críticas ao presidente da Câmara do Porto.

O deputado Renato Sampaio, que sempre se opôs à estratégia da distrital e da concelhia de apoiar Rui Moreira em vez de apresentar uma candidatura própria, levantou reservas à escolha de Pizarro, afirmando ter dúvidas que fosse “o melhor candidato”.

Um outro deputado, Pedro Bacelar de Vasconcelos, que participou na reunião mas não chegou a falar, tem no entanto uma posição conhecida. O constitucionalista já veio dizer que a “situação é inadmissível” e desafia Manuel Pizarro a dar explicações, em declarações ao semanário Sol. Bacelar de Vasconcelos diz que “o presidente da federação do Porto ajudou a pôr o partido numa posição muito difícil”.

O anúncio do candidato ao Porto foi feito pelo presidente da concelhia portuense, Tiago Barbosa Ribeiro, que sublinhou que “os socialistas nunca fizeram depender um possível acordo com uma imposição de lugares”. Quanto à recusa do apoio socialista à recandidatura de Rui Moreira, o dirigente do partido afirmou: “Para casamentos e baptizados, só vai quem é convidado.”

O agora candidato falou num registo idêntico, declarando que “é mais proveitoso manter uma boa amizade do que um casamento que uma das partes não quer".

“Tenho muito orgulho no trabalho que os vereadores do PS fizeram nestes quatros anos na Câmara Municipal do Porto, num acordo de coligação no qual fomos absolutamente leais e escrupulosamente cumpridores, temos, aliás, uma avaliação positiva da acção desta câmara e não vamos mudar de opinião em função estes acontecimentos”, declarou Pizarro.

Um dia depois de Rui Moreira ter declarado que iria convidar Manuel Pizarro para as suas listas, o PS-Porto decidiu escolher o actual vereador para candidato. E, na convenção socialista de Lisboa, Pizarro respondeu a Moreira: “Há convites que não podem ser aceites. Por isso digo não, obrigado.”

Para o PS, a campanha para as autárquicas começou este sábado. E, por isso, António Costa encerrou a convenção falando para fora. “O princípio é simples: o país está melhor.” Fazendo um elogio da colaboração com as IPSS, orgulhando-se do reforço da “confiança no Governo” mostrada pelos dados do Eurobarómetro, Costa avançou para o repto ao PSD e ao CDS: “A principal reforma a fazer no Estado é a descentralização.” Costa quer uma lei aprovada em Outubro, que entre em vigor em Janeiro de 2018. 

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