Jardim arguido diz estar a ser alvo de vingança política

Arguido no processo Cuba Livre, que investiga a suposta ocultação da dívida da Madeira, o ex-presidente do Governo regional questiona a "legitimidade" e a forma da reabertura do processo.

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Alberto João Jardim Pedro Cunha

O ex-presidente do governo regional da Madeira, Alberto João Jardim, diz estar a ser alvo de uma vingança política, por ter sido constituído arguido no âmbito do processo Cuba Livre, uma investigação que remonta a 2011 e investiga a forma como 1,1 mil milhões de euros foram ocultados das contas nos orçamentos regionais entre 2003 e 2010.

O processo, arquivado em 2014 pelo Ministério Público (MP), foi, de acordo com uma notícia da revista Sábado, reaberto depois de dois dirigentes do extinto PND, Baltasar Aguiar e Gil Canha, assim como o presidente da Câmara Municipal de Santa Cruz, Filipe Sousa - que estiveram na origem da denúncia -, terem requerido a instrução do processo, apresentando mais dois suspeitos: Alberto João Jardim e o ex-vice-presidente do executivo madeirense, João Cunha e Silva.

Jardim não compreende. “Tanto quanto eu sei sobre isso, esse processo foi arquivado pelo Ministério Público”, disse o ex-governante madeirense em declarações à RTP-Madeira, questionando a “legitimidade” dos assistentes e a forma como o processo foi reaberto. “Não sei que legitimidade têm para isso, nem com o dinheiro de quem”, continuou, garantindo que não foi “notificado” para nada.

“Como é que essas coisas são sabidas primeiro pelos jornais e não pelas vias competentes?”, questionou, dizendo que está a ser alvo de uma vingança política. “Há aqui qualquer coisa de político metido nisto. Estamos no plano de tentativa de instrumentalizar a justiça para fazer vinganças políticas”, concluiu.

Ao PÚBLICO, o assessor do homem que governou a Madeira durante mais de três décadas, André Rodrigo Freitas, disse que o ex-presidente não tinha nada a acrescentar sobre o caso, reafirmando que Jardim ainda não foi notificado da decisão do tribunal.

Isto apesar do presidente da Comarca do arquipélago, Paulo Barreto, ter confirmado terça-feira à Lusa que tanto Jardim como Cunha e Silva vão ser ouvidos como arguidos no próximo dia 20 de Abril. O juiz ressalvou que o facto dos dois ex-governantes, que estão sujeitos a termo de identidade e residência, serem arguidos não advém de uma avaliação do tribunal, mas sim um direito conferido pelo Código de Processo Penal para que “possam gozar de uma série de direitos processuais”.

Jardim é suspeito da prática de dois crimes de prevaricação com dolo, um de violação das normas de execução orçamental e outro de abuso de poder. O processo contava inicialmente com cinco arguidos: dois ex-secretários regionais, Luís Santos Costa (Equipamento Social) e Ventura Garcês (Plano e Finanças); um director regional, Ricardo Rodrigues (Orçamento) e dois directores de serviço, Amélia Gonçalves (Gabinete de Gestão e Controlo Orçamental) e Dulce Veloz (Orçamento e Conta).

Ex-ministros como testemunhas
O processo, que teve por base um inquérito instaurado a 28 de Setembro de 2011, pelo então procurador-geral Fernando Pinto Monteiro, conta ainda com um rol de testemunhas de peso: Teixeira dos Santos, ministro das Finanças de José Sócrates, Vítor Gaspar, ministro das Finanças de Passos Coelho, e o actual chefe do executivo madeirense, Miguel Albuquerque, que à altura dos factos era presidente da Câmara do Funchal.

As investigações tiveram o ponto alto em 2012, altura em que de surpresa, a 23 de Abril, a GNR cercou a sede da secretaria regional do Equipamento Social, cortou as comunicações com o exterior, enquanto no interior elementos do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) realizavam diligências de busca e apreensão de documentos e computadores.

A operação durou largas horas e o facto de ter sido feito com o auxílio da GNR, e não da PSP como seria natural dadas as competências que ambas as forças de segurança têm no arquipélago, contribuiu para narrativa que falava da proximidade entre algumas chefias da PSP e o executivo madeirense.

Durante toda essa semana, apesar de Jardim ter instaurado um inquérito à actuação da GNR e ter concluído que, apesar de legal, ter causado um desnecessário “alarme social”, foram ouvidas mais de meia centena de governantes, peritos, técnicos e empresários ligados à construção civil como testemunhas. No final, o material recolhido foi enviado para Lisboa, a bordo de um C-295 da Força Aérea.

O inquérito acabaria por ser arquivado em 2014 mas, no despacho, o MP considera que os factos de investigação eram “susceptíveis de integrar, para os arguidos que eram titulares de cargos políticos, os crimes de prevaricação e de violação das regras de execução orçamental”, justificando o arquivamento com a falta dos “requisitos exigidos” para integrar aqueles crimes.

A decisão provocou duras críticas por parte dos partidos da oposição, e para evitar que o caso não fosse a julgamento, foi requerida a instrução do processo, que transitou para o Funchal para as mãos da juíza Susana Mão de Ferro.

Os problemas nas contas da Madeira foram divulgados em Abril de 2011, num relatório do Tribunal de Contas. Jardim começou por negar, mas em Setembro desse ano assumia a existência de uma dívida regional superior a 6 mil milhões de euros e pedia ajuda a Passos Coelho.

Em plena campanha eleitoral para as regionais de 2011, que acabaria por vencer com nova maioria absoluta, o ex-presidente madeirense justificou a derrapagem com as medidas impostas pelos governos de José Sócrates à Madeira. Em Janeiro de 2012, entrava em vigor o Plano de Ajustamento Económico e Financeiro para a Madeira, com duras medidas de austeridade que se mantiveram até ao final do ano passado.

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