Excesso de produção em Espanha deixa mais de 400 milhões de quilos de limões nas árvores

A entrada de fundos de investimento no negócio dos citrinos acelerou o aumento das áreas plantadas e a consequente saturação do mercado. Pequenos produtores são os mais afectados.

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Os pequenos e médios agricultores são os mais afectados pelas consequências do excesso de produção de limões GettyImages
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Era esperado, e veio de repente, de um ano para o outro. Sem hipótese de fazer negócio, mais de 400 milhões de quilos de limão serão deixados nas árvores no sudeste de Espanha. A União dos Pequenos Agricultores e Produtores Pecuários (UPA), organização agrícola que representa mais de 80 mil agricultores espanhóis, realça uma consequência imediata que deriva do excesso de produção: há agricultores que estão a “fechar contratos de venda da sua produção de limões a 0,08 euros por quilo”, precisa a UPA em comunicado.

O excesso de produção do limão, que redundou numa crise sem precedentes para o sector dos citrinos, não apanhou de surpresa os produtores concentrados no sudeste espanhol, sobretudo na região de Múrcia. Desde 2019 que a Associação Interprofissional de Limão e Toranja (Ailimpo) tinha indicadores e acesso a dados que alertavam para o desastre que se anunciava iminente.

Com o mercado saturado, mais de 400 milhões de quilos de limões dificilmente sairão das árvores. Até porque a maioria dos agricultores não consegue sequer colher uma tal quantidade de fruta, nem compensa o trabalho. “Não vale a pena vendê-la mesmo que seja paga a 3 cêntimos o quilo”, acrescenta a organização, justificando a opção com os encargos a suportar com a contratação de trabalhadores, no embalamento do produto e os custos a que obriga o seu transporte. Esta entidade já solicitou à Agência de Informação e Controlo Alimentar (AICA) o reforço da vigilância para evitar que sejam assinados contratos abaixo dos custos de produção que estão estimados em 0,25 euros o quilograma.

No ano com a melhor produção de que há memória, e, ao mesmo tempo, aquele em que a fruta atingiu o rendimento mais baixo, o desastre aconteceu. Na sequência de uma reunião que a UPA manteve com responsáveis do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação (MAPA) no dia 7 de Maio, o responsável do sector de limão, Antonio Moreno, identificou a principal causa para o excesso de produção. O problema, refere, nasce de novas plantações de limoeiros, dinamizadas por grandes proprietários de terras, e financiadas por fundos de investimento, que provocaram uma situação de saturação no mercado interno e num contexto em que as exportações também não apresentam potencial de crescimento. Os pequenos e médios agricultores são os mais afectados pelas consequências do excesso de produção de limões.

Também José Antonio García, presidente da Associação Interprofissional do Limão e da Toranja (Ailimpo), associa o momento crítico em que vive o sector ao crescimento desmesurado de novas plantações de limoeiros: “Nos últimos oito anos foram plantados cerca de sete milhões de limoeiros, e a área dedicada a esta cultura permanente passou de 38.363 para 52.119 hectares, o que representa um aumento de 36%”.

Neste espaço de tempo o sector passou de 8,5 para quase 15 milhões de limoeiros. “Desde 2018 que alertamos para o excesso de novas plantações em tão pouco tempo”, reforça García em declarações prestadas à Fresh Plaza, associação que promove os sectores de frutas, legumes e flores a nível mundial.

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O excedente de limões poderá chegar aos 600 milhões de quilos em 2026 GettyImages

O pior ano dos limões e a água perdida

Tendo em conta as árvores de fruto plantadas nos últimos anos, o presidente da Ailimpo estima que nos próximos anos se atingirá uma produção superior a 1.772.000 toneladas, “valor que ultrapassa o que o mercado pode actualmente absorver com rentabilidade”, ou seja, a meta de 1.100.000 toneladas. O excedente de limões poderá chegar aos 600 milhões de quilos em 2026.

O mercado interno e externo espanhol só suporta a produção de 1,1 milhão de toneladas por ano, das quais 800 mil toneladas vão para o mercado de frutas frescas e 300 mil para o mercado industrial.

Assim, é previsível que virá a repetir-se, até 2026, um cenário ainda pior de excesso de produção, quando sete milhões de novos limoeiros plantados nos últimos oito anos começarem a produzir, prevê a Ailimpo, que avança uma alternativa para equilibrar o mercado do limão: a utilização do sumo de limão como acidulante [para intensificar o gosto ácido] em substituição do E330, o que iria permitir a recuperação de boa parte da produção que ficou nas árvores.

O actual momento do sector dos citrinos em Espanha ficará na história como “o pior em termos de rentabilidade”, com preços inferiores aos custos de produção para a grande maioria dos produtores. Uma situação anómala que está a conduzir a distorções no mercado dos citrinos, com “graves perdas económicas nas principais áreas de produção, e até ao abandono das explorações agrícolas e ao desenraizamento de árvores”. A denúncia é de Pedro Gomáriz, responsável pelo sector dos citrinos da Coordenadora das Organizações de Agricultores e Pecuários (COAG). E acrescenta: “Sem ter em conta os quilos que têm sido mal pagos a quem produz, se tivermos em conta apenas as 400 mil toneladas de fruta que ficaram nos campos, estaremos a falar de perdas de mais de 120 milhões de euros.”

A informação mais recente divulgada pelo Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação (MAPA) refere que a área irrigada de limão aumentou 51%, à custa da reconversão de áreas ocupadas com outras frutas cítricas, árvores de outro tipo de frutas e plantações de vegetais.

Como se não bastasse o excesso de produção, o mercado espanhol está confrontado com um quadro altamente especulativo, assente no aumento desmesurado de novas plantações sem qualquer planificação. Em simultâneo, aumenta o volume de importações de frutas cítricas de países como Turquia, Egipto, Argentina e África do Sul, que, por vezes, veiculam novas pragas e doenças, potenciadas pelas perturbações causadas pelas alterações climáticas. A agravar o cardápio de problemas já referidos, acrescenta-se a manipulação de mercado por fundos de investimento e as preferências das superfícies comerciais pela fruta esteticamente perfeita.

Subsiste ainda uma outra consequência que não é de somenos, porque se trata de recursos hídricos que foram utilizados na rega de milhões de limoeiros. A perda de 400 milhões de quilos de limões significa, também, a perda de 62 hectómetros cúbicos (hm3), quantificados num estudo elaborado pela Universidade de Alicante, volume de água que deve ser acrescido de mais 58 hm3 da água que cai do céu, um total de 120 hm3.

As regiões de Múrcia e Almería, onde se concentra a chamada horta da Europa, produzem a quase totalidade de limões e de outras frutas e legumes. O consumo de água no regadio das culturas ali praticadas é de cerca de 500 hm3/ano (Múrcia) e 350 hm3/ano (Almería), praticamente o dobro da que se consome no regadio de Alqueva. Parte da dotação de água utilizada em Almería tem origem no transvase Tejo-Segura.

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