Morte nos festejos do FC Porto: arguido coloca Marco “Orelhas” no local do crime

Contradições dificultam percepção sobre detalhes do homicídio, com 17 facadas ainda por explicar. Testemunhas são fundamentais para acrescentar informações sobre noite da morte de Igor Silva.

Foto
Homicídio aconteceu durante festejos do Porto Paulo Pimenta/Arquivo
Ouça este artigo
00:00
04:39

Depois de Marco Gonçalves, conhecido como “Orelhas”, negar ter presenciado ou ter tido qualquer participação no esfaqueamento que provocou a morte a Igor Silva – o adepto assassinado durante os festejos do FC Porto, em Maio de 2022 –, a versão apresentada pelo membro dos Super Dragões foi contrariada por outro dos arguidos implicados no homicídio. Diogo Meireles, conhecido como “Xió”, coloca Marco no local do crime, dizendo que o suspeito foi uma das primeiras pessoas que viu junto ao cadáver de Igor.

O Marco chegou com o ‘Chanfras’ [Paulo Cardoso, o cunhado] ao Dragão. Pensei, na minha cabeça, que ia haver porrada entre o Marco e o Igor Silva”, explica, procurando justificar ter acompanhado o grupo que incluía Renato e Marisa, filho e mulher de Marco, no percurso até ao local em que se deu o ataque a Igor. A luta dessa noite seria alimentada por desacatos vários entre Igor Silva e familiares de Marco Gonçalves que se repetiram ao longo dos meses que antecederam a morte, juntando-se também uma cena de pancadaria no Estádio da Luz, horas antes do homicídio.

“Fui ficando para trás e perdendo-os de vista. Depois vi um emaranhado de gente e quando percebi já o Igor estava no chão [esfaqueado]. Foi quando vi o Paulo a mexer nas pernas do Igor, a tentar ajudar e a pedir para chamar o INEM”, refere Diogo. Quando questionado pela juíza sobre quem viu após aperceber-se do cadáver de Igor na via pública, Diogo aponta em primeiro lugar Marco “Orelhas”. Por outro lado, diz que Paulo Cardoso, também implicado no homicídio de Igor, não esteve presente naquele instante e que procurou apenas ajudar Igor. Neste momento, “Chanfras” irrompeu em lágrimas, precisando de sair da sala de audiências para se recompor.

Esta foi uma das primeiras grandes contradições expostas no decorrer deste julgamento, com o testemunho de Diogo a colocar Marco Gonçalves no local do crime. Na primeira sessão, o membro dos Super Dragões negou ter presenciado o momento do homicídio, alegando que teria sido, momentos antes, esfaqueado nas costas por duas vezes. Depois de sofrer estes ferimentos – infligidos por uma pessoa que não conseguiu identificar – terá descido a Alameda das Antas, colocando-se mais distante dos momentos finais da vida de Igor Silva.

“Senti duas ‘picadelas’ nas costas. Quando olho para trás, vejo o Igor com duas facas nas mãos. A minha reacção foi fugir para a estrada, mas tropeço e acabo por cair com ele. Ele levantou-se e fugiu”, adiantou na primeira sessão de julgamento.

Dada a contradição dos testemunhos e falta de pormenores avançados, a inquirição das testemunhas torna-se fundamental para dar mais solidez à narrativa. Isso mesmo foi defendido por Nélson Sousa, advogado da família de Igor Silva, que defendeu que estas pessoas sejam ouvidas à distância, caso se sintam intimidadas.

Foto
Marco e Renato Gonçalves estão em prisão preventiva FERNANDO VELUDO/LUsa

"As testemunhas vão ser fundamentais, nenhuma das pessoas assume o que fez. Se alegam que se sentem intimidadas, entendo que sim [devem ser ouvidas por videoconferência]", referiu o causídico à porta do Tribunal de São João Novo, após o fim da sessão desta sexta-feira.

17 facadas por explicar

Horas antes dos confrontos no Estádio do Dragão, Marco Gonçalves envolveu-se em cenas de pancadaria com Igor Silva nas bancadas do Estádio da Luz, em Lisboa. O FC Porto venceu ali o Benfica por 1-0 e confirmou a conquista do título nacional de 2021/22, com ambos os intervenientes a envolverem-se em confrontos na bancada ocupada pelos Super Dragões. O Ministério Público acredita que as agressões no estádio do Benfica serviram de rastilho para um plano de vingança contra Igor Silva, concretizado durante os festejos do título junto ao Estádio do Dragão, já no Porto, poucas horas depois. Com a ajuda de vários arguidos, a vítima teria sido agredida com recurso a arma branca 18 vezes, morrendo a caminho do hospital.

Destas quase duas dezenas de ferimentos, apenas foi possível apurar a autoria de um. Renato Gonçalves, filho de Marco, admitiu em tribunal que esfaqueou Igor Silva uma vez, alegando que usou uma faca que estava na posse da vítima. Esta seria uma de duas armas brancas que Igor transportaria junto ao Estádio do Dragão.

“Queria pedir desculpa aos familiares do Igor e a todos os envolvidos. Quero cumprir o castigo pelo crime que cometi. Que se faça justiça”, afirmou.

Renato Gonçalves negou, contudo, que tenha sido responsável pelos restantes 17 ferimentos registados durante a autópsia ao cadáver de Igor Silva. Nenhum dos outros homens implicados pelo homicídio admite qualquer participação no ataque fatal, com Paulo Cardoso a não querer, para já, prestar declarações.

Este será outros dos pontos que as testemunhas vão poder aclarar. Quem, com que armas e porquê: juízes, advogados e a procuradora do Ministério Público vão procurar explorar estas linhas de interrogatório.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários