Bastonário faz participação disciplinar que inclui acção de Lacerda Sales no caso das gémeas

Comportamento do então director clínico Luís Pinheiro e dos médicos que intervieram directamente no tratamento das meninas luso-brasileiras deverá ser analisado pelo Conselho Disciplinar do Sul.

Foto
Medicamentos que gémeas receberam custaram quatro milhões de euros aos cofres públicos. Daniel Rocha (arquivo)
Ouça este artigo
00:00
04:32

O bastonário da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes, pediu ao Conselho Disciplinar da Região Sul que investigue a existência de eventuais infracções éticas e deontológicas por parte de diversos médicos no caso das gémeas luso-brasileiras com uma doença rara que foram tratadas no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, com um remédio que custou, para as duas, quatro milhões de euros. O pedido abarca, entre outros, a actuação do então secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales, e do então director clínico Luís Pinheiro.

A informação foi avançada pela CNN e confirmada ao PÚBLICO pelo bastonário que adiantou que a participação que seguiu esta segunda-feira à noite não possui nomes, mas abarca a actuação de clínicos a três diferentes níveis: governativo, de gestão clínica e dos médicos que trataram directamente as meninas.

"Um médico tem que ter um comportamento irrepreensível em qualquer papel, ainda mais quando a sua actuação tem impacto directo sobre cuidados de saúde", afirma Carlos Cortes.

No nível governativo, admite Carlos Cortes, encontra-se em causa o comportamento do então secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales, cuja intervenção terá ficado registada no historial clínico das crianças. Aliás, o PÚBLICO noticiou há dias a existência de um email que partiu do gabinete de Lacerda Sales e que questionava o Hospital Santa Maria sobre se as crianças já tinham tido acesso à consulta.

Nesse dia, a TVI, que revelou este caso na sequência de um trabalho de investigação, noticiou que Lacerda Sales se tinha reunido com Nuno Rebelo de Sousa, filho do Presidente da República no Ministério da Saúde. O médico António Levy Gomes, coordenador da unidade de neuropediatria do Santa Maria, já antes explicara à TVI que a sua equipa se opôs à administração do medicamento por ter muitas dúvidas sobre a lógica de crianças com atrofia muscular espinhal, que estavam a ser seguidas noutros países, se deslocarem a Portugal apenas com o propósito de receberem um fármaco, conhecido por ser o mais caro do mundo. “O que corria nos corredores era que o tratamento ocorreu por influência do Presidente da República”, afirmou António Levy Gomes, que chegou a confrontar Marcelo Rebelo de Sousa por escrito sobre este caso.

As suspeitas de favorecimento já estão a ser investigadas pela Justiça portuguesa. O Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa abriu um inquérito contra desconhecidos.

Em declarações à Rádio Renascença, Lacerda Sales garantiu esta terça-feira que não marcou a consulta no SNS para as gémeas luso-brasileiras, nem nunca falou sobre este caso com o Presidente da República. Já sobre a reunião com Nuno Rebelo de Sousa, filho de Marcelo, Lacerda Sales diz que não se recorda e aguarda documentação para se pronunciar.

Sobre a participação disciplinar do bastonário, o antigo secretário de Estado acusa Carlos Cortes de querer "cinco minutos de fama" e fala numa "inqualificável intromissão na actividade” de um órgão de soberania, o Governo. Lacerda Sales realça que à data qualquer que tenha sido a sua actuação “não o foi enquanto médico, mas enquanto secretário de Estado”. E completa: “Por isso, diria que estamos perante uma sindicância da Ordem dos Médicos a um órgão de soberania do qual fiz parte, com muito orgulho, e que me parece uma inqualificável intromissão na actividade do órgão de soberania por parte da Ordem dos Médicos”. Mesmo assim, acrescenta que está disponível para responder perante qualquer organismo, garantindo estar de consciência tranquila.

Carlos Cortes também quer ver analisada a actuação do então director clínico do Santa Maria, Luís Pinheiro que terá solicitado à então directora do departamento de pediatria para falar com a médica responsável por acompanhar as crianças, que se tinha recusado inicialmente a marcar a consulta. Em causa estava o facto de as gémeas constarem de uma lista de crianças luso-descendentes não residentes em Portugal, que tinham pedido acesso ao Zolgensma e que ainda aguardavam a avaliação do conselho de administração do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN), onde o Santa Maria está integrado. As crianças que estavam nessa lista acabaram por ver recusada a administração do Zolgensma.

Terá sido por pressão de Luís Pinheiro que a médica que acompanhou as gémeas terá aceitado marcar a consulta, tendo o director clínico transmitido à directora da pediatria que o pedido vinha do gabinete do então secretário de Estado da Saúde.

O bastonário quer ainda que seja escrutinada a actuação dos médicos que tiveram uma intervenção directa no caso.

Carlos Cortes sublinha, contudo, que as suas competências neste caso terminam com esta participação, cabendo agora ao Conselho Disciplinar da Região Sul, um órgão autónomo, avaliar se há motivos para abrir processos disciplinares e prosseguir com os mesmos. O bastonário explicou ao PÚBLICO já tinha solicitado informação sobre este caso ao Hospital de Santa Maria, que só após a sua insistência lhe remeteu os dados pedidos. A resposta chegou já depois da participação disciplinar ter seguido, tendo as informações sido reencaminhas igualmente para o Conselho Disciplinar da Região Sul.

Sugerir correcção
Ler 12 comentários