A Espanha na batalha da Europa

A invasão da Ucrânia teve um curioso reflexo entre os soberanistas: dividiu-os. Os “pró-putinianos”, fortes na Itália optaram pelo silêncio devido ao alinhamento atlantista de Giorgia Meloni.

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As eleições em Espanha vão necessariamente ter uma forte projecção nos equilíbrios políticos da União Europeia. A Espanha, quarta economia da UE, é um dos pilares do europeísmo, favorável a uma maior integração comunitária. Este tem sido o fulcro do debate das eleições da maioria dos países europeus. Mas o confronto em Espanha não será entre europeístas e soberanistas. A direita espanhola é diferente.

A batalha em curso tem sido mais simples: entre direitos democráticos e a ameaça da extrema-direita. Para o Partido Popular (PP) de Nuñez Feijóo, a prioridade é “revogar o sanchismo”, a qualquer preço. O preço é a entrada do Vox no executivo, se os seus votos forem indispensáveis. Seria a primeira vez, desde a morte de Franco, que uma formação de natureza “pós-franquista” poderia entrar no governo. Em Espanha, a extrema-direita sempre foi conotada com a ditadura de Franco.

Nestas eleições, a separação das águas não é a Europa. Tanto o PSOE como o PP apoiam a integração europeia. À esquerda, também o Sumar defende uma maior integração europeia, enquanto a extrema-direita do Vox não questiona a pertença à UE, mas defende teses soberanistas que querem uma devolução dos poderes aos Estados nacionais. O Vox é muito mais próximo da italiana Giorgia Meloni do que de Marine Le Pen ou de Viktor Orbán. Mas o seu sucesso, a entrada no governo do PP, será interpretado como um enfraquecimento do europeísmo em Espanha.

A sociedade espanhola é profundamente europeísta e o Vox seria suicidário se fizesse do soberanismo um tema eleitoral. Mas a sua simples entrada no governo seria um forte sinal para os soberanistas que aguardam a eleições europeias de Junho de 2024 para tentar pôr termo à hegemonia do Partido Popular Europeu, dos socialistas e dos liberais nas instituições comunitárias. A Polónia terá eleições em Outubro e as sondagens estão a virar em favor do PiS, de Jaroslaw Kaczynski.

Também a conjuntura europeia é inquietante. Após uma semana de tumultos nas periferias, a direita clássica francesa, Os Republicanos, deu mais um passo em direcção à União Nacional de Marine Le Pen. Entretanto, na Alemanha em ameaça de recessão, sobe a extrema-direita do Alternativa para a Alemanha (AfD), que surge nas sondagens em segundo lugar, ao lado dos sociais-democratas. Com Paris e Berlim em crise, e agora com uma Espanha na corda bamba, aumentam as nuvens sobre a Europa.

A invasão da Ucrânia teve um curioso reflexo entre os soberanistas: dividiu-os. Os “pró-putinianos”, fortes na Itália optaram pelo silêncio devido ao alinhamento atlantista de Giorgia Meloni. Também Marine Le Pen se cala, enquanto espera recolher os frutos da rebelião urbana. Mais importante: a agressão russa separou húngaros e polacos, que estavam a preparar uma frente soberanista para 2024. Em Espanha, o Vox tomou partido por Kiev contra Moscovo.

O politólogo Cas Mudde, estudioso da extrema-direita, tem falado na “quarta vaga” de radicalização que se caracteriza por um duplo fenómeno: a apropriação de temas extremistas pela direita tradicional e a consequente normalização dos partidos de extrema-direita. Da França ao Reino Unido, assistimos a este movimento: uma radicalização da direita conservadora mas que não se converte numa direita completamente radical, à imagem da Hungria ou dos republicanos americanos.”

A ascensão do Vox reflecte sobretudo a questão catalã, que lhe abriu uma avenida. “Mas o Vox nunca teria sido um partido se fosse apenas a Catalunha. Foi um partido de pessoas de direita que estavam frustradas com o Partido Popular pela corrupção e em parte porque não era suficientemente direitista”, anota Cas Mudde. É tarde para pensar em “cordões sanitários”, que só são eficazes na origem desses partidos.

“Parece óbvio que depois dos resultados [das eleições de 28 de Maio], o Vox aumentou o nível dos seus apoios e agora tornou-se [um partido] normalizado”, diz a politóloga Sandra Léon.

Onde é que se vai decidir o futuro da Espanha? A vitória do PP parece certa, embora sem maioria absoluta, para o que precisará dos deputados do Vox, que exigirão entrar no governo. Ainda faltam duas semanas que podem ter impacto nas intenções de voto.

A questão é muito clara: até que ponto o PP dominará os impulsos do Vox? Na Europa Ocidental, temos assistido à conversão da direita moderada aos temas da extrema-direita. Que equilíbrios dominarão um governo de Feijóo? À última hora, Abascal apresentou um provocatório programa ultra que incomoda Feijóo e poderá ainda favorecer a esquerda.

Durante a pré-campanha, “foi o Vox que marcou o ritmo”, escreve o jornalista catalão Enric Juliana. E volta a lembrar que se a campanha não se fez em torno da Europa, “o ciclo eleitoral em que estamos imersos culminará no dia 9 de Junho de 2024. As eleições espanholas são um episódio importante da fenomenal batalha de posições que tem lugar na Europa, com a guerra da Ucrânia ao fundo.”

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