Como será o clima em Portugal em 2100? Chuva a conta-gotas e uma Lisboa tão árida como Beja

Dois terços do país em clima semi-árido, subida de 6ºC e chuva pela metade. Portugal é um “hotspot das alterações climáticas”. Este é o pior cenário, porém realista, para daqui a 80 anos.

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Ovelhas pastam nas margens da ribeira de Alge, junto ao rio Zêzere, em Figueiró dos Vinhos a 1 de Fevereiro de 2022, numa altura de restrições à utilização da água EPA/PAULO NOVAIS
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No Instituto Dom Luiz e na Faculdade de Ciências, 30 investigadores da Universidade de Lisboa, munidos de supercomputadores, trabalham em consórcio com instituições de todo o mundo para responder a uma pergunta: como vai o clima mudar nas próximas oito décadas, até ao fim deste século, aqui em Portugal e pelo mundo fora?

As estimativas estão em estudos que já estão a ser publicados em revistas científicas internacionais, mas que vão ser reunidas no Roteiro Nacional para a Adaptação 2100, um projecto conduzido pela Agência Portuguesa do Ambiente (APA), que está a avaliar a vulnerabilidade do país às alterações climáticas e calcular quanto custará a adaptação do sector económico ao impacto delas. E concluem que Portugal é um “hotspot das alterações climáticas” - um ponto do globo terrestre especialmente vulnerável aos piores dos cenários.

Pedro Matos Soares, o investigador do Instituto Dom Luiz que está à frente do projecto, e um dos cientistas portugueses mais envolvido no estudo das alterações climáticas, explicou ao PÚBLICO porquê: está na vizinhança da bacia do Mediterrâneo, uma região onde se está a registar um aquecimento climático muito significativo e níveis de precipitação cada vez mais reduzidos. E esse cenário está a piorar. O resultado? Um país cada vez mais seco, de pessoas menos produtivas por causa do calor, epicentro de fenómenos meteorológicos extremos, palco de cada vez mais incêndios (e mais intensos) e um pesadelo para quem tem risco acrescido de sofrer doenças cardiovasculares e cardio-respiratórias.

Segundo os dados consultados pelo PÚBLICO e contextualizados em entrevista com Pedro Matos Soares, dois terços do território continental português podem adquirir um clima semi-árido até ao fim do século XXI, com níveis de precipitação muito baixos (quase metade dos actuais), altas temperaturas e pouca humidade. Essa já é a realidade numa pequena porção do sudeste nacional, na região entre parte do sotavento algarvio e o distrito de Beja. Mas, dentro de 50 a 80 anos, esse pode ser o clima na esmagadora maioria da região sul do país até grande parte de Lisboa, Santarém, Castelo Branco e Guarda.

Estas projecções são feitas com base nos registos meteorológicos e climáticos até ao ano 2000 e na situação actual. Os cientistas usam uma equação que depende de duas médias anuais: os níveis de precipitação e a evapotranspiração potencial — isto é, a quantidade de água transferida por evaporação para a atmosfera pelos corpos de água, como uma barragem ou um rio. A divisão do primeiro factor pelo segundo resulta no Índice de Aridez, que reflecte a susceptibilidade de uma determinada área geográfica à desertificação. Ora, em Portugal, com menos chuva e com as temperaturas elevadas a motivar a evaporação da água que ainda sobrevive no solo, a desertificação não é só uma teoria: está mesmo no horizonte.

Questionado pelo PÚBLICO sobre quão provável é o cenário mais catastrófico, Pedro Matos Soares acautela que seria uma “irresponsabilidade” quantificar com precisão o que vai acontecer em Portugal dentro de 80 anos. “Existe uma indefinição muito grande”, sublinha: alguns estudos apontam que o esforço de mitigação da Europa e a pressão política para cumprir os termos do Acordo de Paris — o tratado que determinou medidas para combater as alterações climáticas, incluindo a redução nas emissões de gases de estufa — parecem estar a ter efeito: “Podemo-nos estar a afastar do pior cenário”.

Mas ainda é cedo para perceber que impacto vai ter a guerra na Ucrânia no cumprimento dos países das medidas propostas do tratado. E há outra ameaça no caminho, sublinha o investigador: “Se Donald Trump ganhar as eleições [presidenciais norte-americanas de 2024], será catastrófico. Se já tirou os Estados Unidos do Acordo de Paris uma vez, pode fazê-lo novamente”.

Em relação ao caso concreto de Portugal, Pedro Matos Soares arrisca uma estimativa e divide as expectativas em três possíveis desfechos. No primeiro cenário, o mais optimista de todos, o Acordo de Paris é totalmente cumprido. No segundo, as emissões de gases de estufa e a utilização abusiva dos solos (como a desflorestação, por exemplo) continua a crescer, mas com tendência a estabilizar. E no terceiro cenário, o pior de todos, continua-se precisamente na mesma trajectória que se tem seguido nos últimos 20 anos.

Segundo o investigador, neste momento, Portugal está entre o segundo e o terceiro cenário: ainda não está no caminho mais perigoso de todos para o clima, mas está longe de pelo menos manter a situação actual — que já é de seca meteorológica em quase 90% do território. No fim de contas, ou o Acordo de Paris é totalmente cumprido, ou o clima português no futuro será sempre “mais quente e seco no continente, mais severo nas regiões do interior”.

Segundo as informações que constam nos relatórios já publicados, no pior dos cenários, os dias quentes de Verão serão ainda mais quentes e mais frequentes: estima-se que se possam registar até 190 dias com temperaturas acima dos 25ºC, as noites tropicais serão mais comuns e, embora se esperem menos dias húmidos, a precipitação será mais concentrada: choverá muitíssimo poucas vezes, mas quando acontecer serão fenómenos muito intensos. A temperatura média (tendo em conta os registos históricos, entre 1971 e 2000) vai aumentar pelo menos 1ºC a 2ºC — e até 6ºC em algumas regiões de Portugal Continental.

As ondas de calor serão mais frequentes, longas e graves, as temperaturas na ordem dos 45ºC serão cada vez mais comuns e os níveis de precipitação podem reduzir-se em 40% até ao fim do século XXI. No norte, no entanto, haverá mais fenómenos de chuva intensa num curto espaço de tempo e registar-se-ão rajadas de vento mais fortes. E, tal como o Expresso noticiou esta sexta-feira, a região sul do pais pode registar seis a sete períodos de seca, cada um com até 22 meses, em apenas 10 anos.

A Agência Portuguesa do Ambiente contava ter o relatório final pronto ainda este ano, após três anos de investigação. Mas a equipa tem um novo prazo do horizonte por causa dos atrasos que se acumularam na altura da pandemia: até ao início de 2024, toda a informação científica — incluindo sobre o impacto económico das adaptações às alterações climáticas — estará pronta. Quatro artigos sobre o tema já foram publicados em revistas científicas internacionais.

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