Um barco à deriva

O Ministério da Educação fixou o prazo de inscriçãos nos exames nacionais de 4 a 17 de Abril, nas duas semanas de férias dos estudantes que não podem dispor dos professores para esclarecer dúvidas.

"O Regulamento das Provas de Avaliação Externa e das Provas de Equivalência à Frequência dos Ensinos Básico e Secundário constitui um instrumento de referência para a programação e atuação dos estabelecimentos de ensino e para informação completa aos alunos e encarregados de educação no âmbito desta matéria."
In Despacho Normativo n.º 4-B/2023 de 3 de abril

Tradicionalmente, as inscrições dos alunos nos exames nacionais do ensino secundário decorriam antes das férias da Páscoa, nas últimas semanas do 2.º período, em tempo de aulas. Os alunos estavam próximos da escola, tomavam conhecimento do início das inscrições pelos directores de turma, debatiam entre si as opções que queriam tomar, aconselhavam-se com os professores e com os serviços escolares de psicologia. Antes de tomarem decisões definitivas, era comum os encarregados de educação dirigirem-se aos estabelecimentos de ensino pedindo mais esclarecimentos sobre o impacto das inscrições, querendo saber que provas eram nucleares no acesso ao ensino superior.

O sistema de ingresso na faculdade é complexo e o naipe de exames que podem interessar a um candidato é muito variável. Há os casos de cursos superiores que indicam três exames para o aluno aproveitar os dois melhores; os casos de disciplinas que o aluno nunca frequentou, mas que pode seleccionar na condição de externo, por lhe trazerem benefícios; e até as provas de ingresso inesperadas, como o Português no acesso a certos cursos de Gestão.

Como em outros aspectos da vida biológica, dominar a informação implica vantagens adaptativas.

A relação que a escola secundária vai construindo com os alunos – educativa, pedagógica e afectiva – integra a expectativa de os professores estarem junto dos seus alunos no momento fundamental do percurso escolar que é seleccionar as provas de ingresso ou os exames que se vão realizar. Os alunos contam com esta proximidade e os encarregados de educação também. O acesso imediato e directo aos professores e aos directores de turma aplana as desigualdades sociais e diminui a distância que os mais desfavorecidos têm de vencer para chegarem à informação.

As alterações no sistema de inscrição de exames provocadas pela pandemia, mais concretamente, a decisão de passar a facultativos os exames que antes eram obrigatórios, veio acentuar a importância de os professores estarem próximos dos alunos, e disponíveis para lhes esclarecerem dúvidas.

Surpreendentemente, este ano lectivo não vai ser assim. As aulas do 2.º período terminaram no dia 31 de Março, quando se desconhecia ainda o calendário das inscrições nos exames e as escolas não tinham nota de prazos prováveis. Ontem, contudo, no primeiro dia das férias da Páscoa dos alunos, foi publicado, sem aviso, o despacho normativo que fixa o período de inscrição entre os dias 4 e 17 de Abril, isto é, nas duas semanas de férias dos alunos.

Como no soneto de Sá de Miranda: “Passam os tempos, vai dia trás dia/ incertos muito mais que ao vento as naves”.

É precisamente no tempo em que parte dos alunos do ensino secundário está ausente das suas localidades por participar nas viagens de finalistas e em que muitos outros agendaram dias de descanso com as suas famílias que o Ministério da Educação fixou este ano o prazo de inscrições nos exames nacionais, privando os estudantes do conforto de poderem dispor dos que mais respeitam e ouvem atentamente: os professores.

Tornou-se este ano meramente administrativo e burocrático um acto escolar complexo que suscita dúvidas e está na esfera da relação responsável entre os professores, os alunos e a comunidade educativa.

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