Homem de confiança do Papa demite-se da Comissão Pontifícia para a Protecção dos Menores

Hans Zollner acusa a falta de transparência da comissão que integrou nos últimos nove anos, numa nota publicada no Twitter.

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Hans Zollner deslocou-se a Lisboa aquando da apresentação do relatório sobre os abusos sexuais de crianças Rui Gaudêncio (arquivo)

O padre jesuíta alemão Hans Zollner, que tem sido um dos homens de confiança do Papa na gestão dos casos de abuso sexual de menores dentro da Igreja Católica, demitiu-se do cargo que ocupava como membro da Comissão Pontifícia para a Protecção de Menores, criada em 2014 por iniciativa directa de Francisco.

Numa nota divulgada no Twitter, Hans Zollner diz que o seu pedido de demissão foi aceite pelo Papa no dia 14 de Março e justifica o seu afastamento de um cargo que ocupou nos últimos nove anos com o facto de, na sua opinião, aquela comissão estar a falhar, nomeadamente no seu dever de transparência e prestação de contas.

“Tem havido falta de clareza quanto ao processo de selecção de membros e funcionários e quanto às suas funções e responsabilidades”, acusa aquele que é considerado como um dos maiores peritos no campo da salvaguarda e protecção dos menores dentro da Igreja. “Estou igualmente preocupado com a falta de transparência financeira, que considero inadequada. É fundamental que a comissão mostre claramente como os fundos são usados no âmbito da sua actividade”, acrescenta.

Num tom inusitadamente duro, Hans Zollner defende também que tem de haver mais transparência quanto ao processo de tomada de decisões dentro da comissão e que a informação partilhada com os membros quanto a decisões específicas tende a ser “vaga e insuficiente”.

Criticando, por último, a inexistência de qualquer regulamentação que regule as relações entre a comissão e o Dicastério para a Doutrina da Fé, para cujas instalações a comissão foi transferida em Junho, Hans Zollner diz que pretende dedicar-se ao seu novo papel como consultor da Diocese de Roma, que acumulará com a direcção do respectivo Instituto de Antropologia, sem abdicar de continuar a bater-se para que "o mundo seja um lugar melhor para as crianças e adultos vulneráveis", nomeadamente através da investigação académica sobre o tema.

Criada em 2014, a Comissão Pontifícia para a Protecção de Menores é presidida pelo cardeal norte-americano Seán Patrick O'Malley, que é um dos conselheiros mais próximos do Papa Francisco, e surgiu como parte dos esforços da Igreja Católica para lidar com o escândalo dos abusos sexuais, com a missão específica de propor iniciativas capazes de assegurar a protecção das crianças e dos adultos vulneráveis no seio da Igreja.

Em Abril do ano passado, o Papa anunciou que a comissão passaria a integrar o Dicastério para a Doutrina da Fé, numa decisão que, segundo ressalvou na altura, não poria em causa a sua independência, dado que os membros deste organismo continuariam a responder directamente perante si. Tratava-se tão-somente de evitar que a comissão continuasse a funcionar como "um satélite" sem ligação com o organograma da Cúria Romana.

Segundo o portal de notícias do Vaticano, O'Malley aceitou a demissão do jesuíta alemão agradecendo-lhe os "anos de serviço" e elogiando o seu papel na cimeira promovida pelo Papa, em 2019, para debater a crise dos abusos sexuais.

Em Fevereiro, quando se deslocou a Portugal para assistir à apresentação do relatório sobre os abusos sexuais de crianças no seio da Igreja Católica portuguesa nos últimos 72 anos, Hans Zollner aproveitou para aconselhar a hierarquia da Igreja a investir mais seriamente no apoio às vítimas e familiares, numa entrevista em que manifestava ainda a sua estranheza pelo facto de a Igreja italiana não ter promovido ainda um levantamento histórico sobre os abusos sexuais de menores às mãos dos clérigos italianos.

Antes disso, em Maio de 2021, Zollner fora a Fátima avisar que a Igreja portuguesa precisava de uma nova mentalidade em relação ao problema dos abusos sexuais, acusando os bispos de se limitarem a cumprir regulamentos. As palavras não caíram em saco roto, porquanto um ano depois os bispos anunciavam a intenção de promover um levantamento histórico dos casos de abuso sexual de crianças no meio eclesial, cujo relatório, apresentado em Fevereiro deste ano, concluiu que pelo menos 4815 crianças foram vítimas de abuso sexual nos últimos 72 anos, desde 1950 até à actualidade.

Poucos dias depois, Seán O'Malley fez um comunicado a elogiar o trabalho da comissão independente, prontificando-se a ajudar os bispos portugueses na reflexão que se impunha sobre as recomendações apresentadas no relatório "Dar Voz ao Silêncio".

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