Venezuela: uma das figuras mais influentes do chavismo demitiu-se após operação anticorrupção

Tareck El Aissami era ministro do Petróleo, um dos cargos mais relevantes do aparelho de Estado venezuelano. É muito próximo de Maduro e é procurado pelos EUA.

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Aissami era ministro do Petróleo da Venezuela desde Abril de 2020 Reuters/LEONARDO FERNANDEZ VILORIA

O ministro do Petróleo venezuelano, Tareck El Aissami, anunciou a sua demissão na segunda-feira à noite, na sequência de uma série de detenções de vários dirigentes de topo no âmbito de uma campanha anticorrupção que tem a petrolífera estatal PVDSA no centro.

Aissami era uma das figuras mais influentes do chavismo, tendo sido protagonista de uma ascensão meteórica na última década. Desde 2019 passou a integrar a lista dos mais procurados pela Justiça dos EUA que o acusa de ligações ao tráfico de droga, algo que encarou como uma medalha ao serviço da causa bolivariana. A queda de um peso-pesado no regime de Nicolás Maduro é um acontecimento raro, que está a ser interpretado como o resultado de uma guerra de facções no seio do chavismo.

A demissão foi anunciada pelo próprio ministro, que a justificou “em virtude das investigações iniciadas sobre os factos graves de corrupção na PVDSA”. “Tomei a decisão de apresentar a minha renúncia como ministro do Petróleo, com o objectivo de apoiar, acompanhar e endossar totalmente este processo”, acrescentou Aissami.

Horas antes tinham sido anunciadas várias detenções no âmbito das investigações a um alegado esquema de corrupção a envolver a petrolífera estatal. Entre os detidos está o superintendente nacional da unidade de criptoactivos, Joselit Ramírez, que comandava a gestão dos fundos da empresa através de operações com criptomoedas e era considerado o “braço direito” de Aissami, diz o El País.

Foram ainda presos o deputado Hugbel Roa, criador de uma criptomoeda utilizada para comercializar petróleo para escapar às sanções internacionais, também considerado um aliado de Aissami, um autarca, dois militares e dois juízes. Durante o fim-de-semana também terão sido detidos pelo menos duas dezenas de funcionários da PVDSA, de acordo com fontes citadas pela Reuters.

Em causa está a suspeita de que petroleiros que transportavam o crude possam ter saído de portos venezuelanos sem pagar as taxas devidas à empresa pública, o que causou prejuízos milionários à PVDSA. O novo presidente da petrolífera, Pedro Tellechea, tinha anunciado uma auditoria e suspendeu contratos de fornecimento de petróleo assim que tomou posse em Janeiro, diz a Reuters.

Há muito que se suspeita que o sector petrolífero venezuelano é um campo pródigo de corrupção. “Tem sido um festim para os intermediários corruptos”, diz ao Financial Times o académico do Baker Institute da Universidade Rice do Texas, Francisco Monaldi, que estima que cerca de um terço do resultado das vendas de petróleo não cheguem à PVDSA. Ainda assim, o analista adverte que “a acusação selectiva é usada para purgar rivais políticos”.

Não é a primeira vez que a petrolífera estatal está no centro de investigações judiciais. Em 2017, foram detidos vários administradores para além de dois antigos presidentes da PVDSA e no ano seguinte também houve uma vaga de detenções entre os seus dirigentes.

Ascensão e queda

No entanto, saídas de cena de figuras tão importantes como Aissami são ainda mais raras. A nomeação, em Abril de 2020, para ficar à frente do Ministério do Petróleo, um dos postos-chave do aparelho de Estado, parecia o culminar de uma carreira brilhante de um chavista de linha dura.

O percurso de Aissami, descendente de uma linhagem de políticos com alguma relevância na Síria durante o século passado, começou ainda na Universidade dos Andes, uma das mais importantes da Venezuela, como dirigente estudantil, já ligado a movimentos de esquerda radical.

Em 2005 foi eleito deputado pelo Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), o partido que é sinónimo do chavismo e que está no poder há mais de duas décadas, três anos depois é nomeado ministro do Interior e da Justiça e funda a Polícia Nacional Bolivariana.

Entre 2012 e 2016 governa o estado de Aragua, mas nunca deixa de orbitar em torno do poder ao nível nacional. Com a ascensão de Maduro e o recrudescimento do regime, Aissami torna-se um actor ainda mais relevante, chegando à vice-presidência em 2017. Nesse cargo consegue estreitar as relações com o Médio Oriente, sobretudo a ligação histórica com o Irão e com o Hezbollah, mas também com a Turquia, e que se revelam preciosas para contornar as sanções impostas à comercialização de petróleo.

Em 2019, um tribunal norte-americano emite um mandado de captura internacional contra Aissami por ligações ao narcotráfico e antes já tinha sido alvo de sanções pelos EUA. Quando a autoridade de controlo fronteiriço e aduaneiro dos EUA fixou uma recompensa pela sua detenção, Aissami disse que ser procurado pelas autoridades norte-americanos era uma honra e garantiu ter “a moral revolucionária intacta”.

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