Marcelo envia ordens profissionais ao TC por dúvidas sobre regulação

Presidente da República enviou para fiscalização preventiva o diploma das ordens profissionais, apontando “dúvidas” em relação à avaliação e regulação por pessoas externas às associações em causa.

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Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa LUSA/ANDRÉ KOSTERS

Dito e feito. Marcelo Rebelo de Sousa já tinha avisado que enviaria o diploma relativo às associações profissionais para avaliação preventiva do Tribunal Constitucional e assim fez nesta quarta-feira. Na base da sua decisão está, sobretudo, a imposição de regulação por órgãos com membros externos às ordens, o que violará o princípio constitucional da auto-regulação daquelas associações.

Em nota publicada no site da Presidência, o chefe de Estado explica o envio da "legislação relativa às associações profissionais e o acesso a certas profissões reguladas" para o TC com as suas "dúvidas relativamente ao respeito de princípios como os da igualdade e da proporcionalidade, da garantia de exercício de certos direitos, da auto-regulação e democraticidade das associações profissionais, todos previstos na Constituição da República Portuguesa".

Marcelo Rebelo de Sousa avisa que as normas constitucionais estipulam a existência de um regime próprio para as associações públicas, em particular das associações profissionais, "que deve ser respeitado pelo legislador", leia-se, o Parlamento. Nomeadamente, lembra o Presidente, no âmbito da auto-regulação, essas associações devem "reger-se por princípios democráticos internos, [ser] dotadas de órgãos próprios, eleitos pelos membros seus associados". O que deixa de acontecer em algumas situações com as novas normas aprovadas pelo PS, IL e PAN.

Na leitura do chefe de Estado, as novas regras aprovadas no Parlamento estabelecem "um conjunto de restrições relevantes ao princípio da auto-regulação" e da protecção constitucional destas entidades.

Em que situações? Marcelo enumera-as. O órgão de supervisão agora criado vai assumir funções de verdadeira auto-regulação genérica, incluindo o "controlo da legalidade", integra pessoas que, na sua maioria, não pertencem à respectiva associação profissional e "não são democraticamente eleitos" pelos respectivos associados.

Existem também funções de natureza disciplinar, de avaliação de final de estágio ou até de provedor que passam a ser atribuídas a pessoas que não estão inscritas na respectiva associação profissional. Na prática, o provedor dos advogados pode ser um sociólogo ou um professor de geografia.

As críticas de Marcelo, porém, não se ficam por aqui. O Presidente olhou também para as novas regras do regime de incompatibilidades absolutas sobre o exercício de funções dirigentes na Administração Pública, que "deixa de exigir a demonstração de incompatibilidade em concreto" e considera que se cria, sem fundamento, uma "restrição desproporcionada" ao exercício de tais funções públicas.

Por exemplo, aponta Marcelo Rebelo de Sousa, isso significa que o director do serviço de um hospital público do Serviço Nacional de Saúde "está impedido de exercer funções nos órgãos directivos da Ordem dos Médicos, da qual é obrigatoriamente membro", ao passo que o director de idêntico serviço de um hospital privado "não está sujeito à mesma incompatibilidade". Tal situação, vinca o Presidente, "pode violar o princípio da igualdade na dimensão de igualdade proporcional".

Ordens contestam desde o início

O diploma que altera o regime das ordens profissionais e da lei que incide sobre as sociedades que a elas estão sujeitas foi muito contestado por profissões reguladas como a Ordem dos Advogados. O diploma, que reflecte as propostas iniciais do PS e do PAN, prevê a obrigatoriedade de estágios remunerados no acesso a profissões reguladas por ordens profissionais e a criação de sociedades multidisciplinares (como serviços jurídicos e contabilidade, por exemplo).

Um dos pontos mais polémicos do diploma é, segundo as próprias ordens e alguns partidos da oposição, a criação obrigatória de um provedor, uma personalidade independente, não inscrita na ordem profissional, que pode participar em processos que implicam infracções disciplinares. Outro ponto muito contestado é a composição de um novo órgão nas ordens profissionais, o conselho de supervisão, com uma maioria de elementos externos.

O texto foi aprovado em votação final global com os votos do PS, IL, PAN e do deputado do PSD Alexandre Poço. As bancadas do PSD, do Chega e do PCP votaram contra, enquanto o Bloco e o Livre se abstiveram. com Sofia Rodrigues

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