Pepe Mujica, a maior lenda viva

É um homem simples, com uma filosofia de vida arrebatadora, não pela riqueza do seu léxico, mas sim pela nobreza das suas palavras que carregam acção e exemplo.

Não há nada melhor que me possam oferecer do que uma grande inspiração. Viver inspirado não tem preço, é a maior riqueza que podemos ter, é ter um motor de combustão para a felicidade em estado puro.

Eu lembro-me da primeira vez que o conheci. Foi em 2016. Eu tinha sido convidado para fazer parte de um painel que iria comentar, num cinema da Casa das Artes no Porto, o documentário Human, de Yann Arthus-Bertrand. Talvez o melhor documentário que já vi na vida.

Chorei, ri, mas acima de tudo, senti. Senti isso que nem sem sempre sabemos bem o que é: ser, humano. Ainda para mais, foi na antevéspera da minha ida para a República Centro-Africana, em missão. Depois desta injecção poderosa de humanismo era impossível partir mais inspirado. Todo o documentário nos apresenta pessoas, na sua maioria ilustres desconhecidas, absolutamente inspiradoras, mas houve uma que se tornou um dos meus “gurus espirituais” até hoje: Pepe Mujica.

“Se não és feliz com pouco, não és feliz com nada.” É de uma simplicidade que nos assalta o espírito, que nos invade, que nos magoa, que nos questiona até à profundidade da nossa medula. “As pessoas usam o tempo para ganhar dinheiro, mas esquecem-se que o dinheiro não compra o nosso bem mais precioso: o tempo.” Eu ouço este tipo de frases com uma sabedoria vinda directamente do coração, e sinto-me alimentado de inspiração durante uns tempos, sinto-me mais humano, e sinto-me melhor.

Aos poucos, fui sabendo mais e mais sobre a vida deste homem, que felizmente ainda é vivo, e ainda inspira quem o ouve, e arrisco-me a dizer que entre leituras e audiovisual, devorei tudo o que há sobre ele. Acho que não há nada mais bonito do que sentir, e vindo do coração, algo como “um dia quero ser como tu!”.

Tem hoje 87 anos. Foi guerrilheiro, revolucionário contra a ditadura militar do Uruguai, e por isso foi preso. Esteve encarcerado durante 12 anos, quase sempre em solitária, onde revela “ter tido muito tempo para pensar”. Eu acho que enlouqueceria, mas ele não, quando saiu manteve-se firme nas suas convicções de lutar pelo povo e pelo bem comum.

Foi eleito presidente da República do Uruguai, exerceu de 2010 a 2015. Houve quem carinhosamente o apelidasse de o “presidente mais pobre do mundo”, pois Pepe Mujica não quis viver no palácio presidencial, mas sim na sua casinha rural nos arredores de Montevidéu, onde cultiva a sua terra com as próprias mãos, com amor e carinho, onde adoptou uma cadela que só tem três patas, e que normalmente come o que ele confecciona na sua cozinha humilde.

É um homem simples, com uma filosofia de vida arrebatadora, não pela riqueza do seu léxico, mas sim pela nobreza das suas palavras que carregam acção e exemplo. Doou 90% do seu salário a uma ONG que apoia mães solteiras e pobres, e no final do seu mandato decidiu não se recandidatar para dar a vez a outro dizendo: “Eu só terei feito bem o trabalho, se quem vier a seguir o fizer melhor ainda.”

São golpes e mais golpes de humildade e pureza de espírito que me levam a pensar que Pepe Mujica é a maior lenda viva dos nossos tempos. E eu acredito que as maiores homenagens devem ser feitas em vida, enquanto as pessoas cá estão para as saborear.

Este grande homem despediu-se de senador, da vida pública e da política por causa da pandemia, em 2020, mas não sem antes fazer mais um discurso arrepiante, que eu gostava de saber de cor, porque diz frases tão bonitas como estas:

“No meu jardim eu não deixei crescer o ódio, porque o ódio cega-nos, assim como o amor. Mas o amor é criador e o ódio não. Destrói.”

“A política é a luta pela felicidade humana.”

“Triunfar na vida não é ganhar. Triunfar na vida é levantarmo-nos cada vez que caímos!”

E como se não bastasse tudo o que nos deu, este grande homem tem uma história de amor com uma grande mulher, Lucía Topolansky. É como um conto de fadas, só que esta história é desenhada em factos verídicos de sangue, suor e lágrimas... Mas muito mais sorrisos que ainda duram e ficarão para a eternidade.

Eu não sei se Gandhi ou Nelson Mandela eram de esquerda ou de direita, assim como pouco me importa a cor política de Pepe Mujica porque o rótulo mais incontestável que lhe temos que pôr é que foi, e é, um ser, humano.

Quando eu for grande, quero ser como Pepe Mujica. Nunca serei, mas acho que serei feliz por tentar.

Foto

As crónicas de Gustavo Carona são patrocinadas pela Fundação Manuel da Mota a favor da Médicos Sem Fronteiras

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