Um presépio com MBWay pelas crianças da Ucrânia

Percebo que tenhas dúvidas sobre se devemos contaminar o Natal das crianças com o peso e a angústia de uma realidade como a da guerra.

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"Procurei antecipar o sentimento de impotência, substituindo-o por um sentimento de propósito" DR

Querida Ana,

Já estás mais reconciliada com o meu Presépio? Meu não, meu e das tuas filhas e filho, que trabalharam arduamente comigo para simular o cenário de uma cidade destruída da Ucrânia, alojando a Sagrada Família num abrigo subterrâneo, o único sítio onde deixámos luz.

Colámos, em caixas de cartão, fotografias reais de crianças ucranianas a brincar em frente de prédios destruídos, de pais e mães a fugirem com os filhos, de uma cave onde uma mãe lê uma história a uma dúzia de crianças aconchegadas em colchões, do rapaz que joga à bola num pavilhão em escombros, e falámos e falámos sobre o que estariam a sentir, como seria o seu Natal, das coisas boas que lhes aconteceriam, apesar de todo o sofrimento terrível por que passavam.

Só tenho pena de não ter gravado as reflexões profundas dos teus mais pequeninos, de não ter filmado o Mini E. a construir com tábuas uma verdadeira ponte da Crimeia; como a M. conseguiu conciliar tão bem aquele cenário final de destruição com as figuras das ovelhas do nosso Presépio tradicional; e o cuidado com que espalhou os anjos e os arcanjos pelo meio dos destroços, nos sítios onde achou que faziam mais falta.

Mas quando chegaste, reparei no teu olhar preocupado, quase chocado ao ver o habitual canto da janela tão verde e cheio de cor, transformado naqueles escombros deprimentes. Percebo que tenhas dúvidas sobre se devemos contaminar o Natal das crianças com o peso e a angústia de uma realidade como a da guerra — afinal também havia guerras dantes e os vossos presépios foram sempre de musgo e não de cinzas.

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Um presépio diferente, a pensar nos que poderão não ter Natal DR

Pensei nisso, mas este ano tenho a certeza que era numa daquelas cidades que Jesus desejaria nascer, o lugar onde mais precisam de esperança.

Mas, Ana, tentei não os assustar, lembrei constantemente que Portugal não corria perigo e, o que me parece fundamental, procurei antecipar o sentimento de impotência, substituindo-o por um sentimento de propósito, positivo — no nosso presépio há uma caixa onde toda a gente que passa cá por casa pode deixar o seu contributo.

Uma das gémeas forrou e pintou uma caixa e colou-lhe o código MBWay da Unicef. É um presépio com MBWay, porque sentimos que podemos fazer uma pequenina diferença na vida daquelas pessoas, e isso faz toda a diferença.


Querida Mãe,

Já me passou o primeiro choque. Admiro muito o seu presépio e, mais ainda, a sua resolução de não esquecer a Ucrânia, mesmo que o assunto “passe de moda”.

Acho que o Natal é a altura certa para termos em conta as dores dos outros, seja dos mais próximos ou mais distantes.

Não podemos lembrar-nos de todas as injustiças, nem de todas as guerras e isso provoca-nos nos sempre culpa e, na nossa rigidez de pensamento, quase que nos convencemos de que então é melhor não destacarmos nenhuma. Mas não é verdade.

O que a mãe lembra no seu presépio não é circunscrito a uma nacionalidade, um país ou uma narrativa política. O que o seu presépio nos lembra é sobre como temos o dever de fazer tudo o que podemos pelas crianças e adultos que sofrem. Por vezes, o nosso “tudo” é muito pouco, mas é seguramente melhor do que nada.

A coisa boa de nos lembrarmos destas dores no Natal, e de a mãe as ter “misturado” no seu presépio, é que se torna ainda mais claro que a dor só por si é corrosiva, mas quando vem acompanhada de esperança, transforma-se em dor com amor. E se essa não é a verdadeira mensagem de Jesus, não sei qual será.


O Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. E, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam.

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