Tirar partido das dificuldades para benefício da saúde

Se os portugueses reduzissem em 1/3 o que comem (e em 2/3 a dose de carne), poupariam 3 a 8% da despesa total, com vantagens não só para a saúde como para baixar o preço dos produtos alimentares.

Longa seca, nova guerra e graves erros nossos perturbaram seriamente o modo de vida habitual. Pede-se que o Governo ajude com medidas financeiras (menos imposto ou mais subsídios) meras tentativas de manter o tipo de vida que tínhamos por garantido e esperávamos que melhorasse no futuro.

Os descontos são instrumentos do mercado com idêntico objectivo – o mesmo consumo a mais baixo preço –, chama a isso “poupar” e até “economizar”. Pedido que seria razoável se o nosso “viver habitualmente” fosse o desejável (Salazar) ou “o melhor dos mundos possível” (Pangloss). Estava muito longe de ser.

Cinjo-me à alimentação, o tema mais sensível (além da habitação). O actual regime alimentar dos portugueses é profundamente errado: “o aporte calórico médio diário por português adulto é o duplo do valor recomendado (Balança Alimentar Portuguesa 2016-2020), com as consequências inevitáveis numa população sedentária “em Portugal, o excesso de peso afecta quase 2/3 dos homens e mais de metade das mulheres e a obesidade atinge 1/5 dos homens e quase 1/4 das mulheres”. Uma mutação do modelo tradicional.

Foi a partir dos anos 80 do século passado que os nossos padrões de alimentação se começaram a alterar, com a melhoria do poder de compra e a maior oferta alimentar. O problema é que, se antes chegávamos a ter situações graves de carência, de fome mesmo, "passámos de um extremo a outro".

As crianças não são poupadas: “… a sopa está entre o prato menos ingerido; pelo contrário, as pizzas, batatas fritas, hambúrgueres, salsichas, snacks ou pipocas têm consumos superiores a 90% (anos 2007 e 2008); é a pirâmide dos alimentos de pernas para o ar.” São inevitáveis as consequências imediatas (procura excessiva, produção intensiva, longo transporte, desperdício – risco de rotura, assimetria da distribuição) e a médio prazo (saúde, ecologia, dependência…).

A alimentação inadequada é um dos principais factores de risco modificáveis que mais contribui para a mortalidade e morbilidade e, em Portugal, os hábitos alimentares inadequados são o quinto factor de risco para a perda de anos de vida saudável.

A DGS, as universidades, as sociedades científicas e as ordens (dos Nutricionistas e dos Médicos) poderiam/deveriam chamar a atenção para estes problemas, cujas soluções (dada as causas seca e produção alimentar) ultrapassam o âmbito financeiro. Há que informar os portugueses destes factos e aconselhar o Governo para que, como na pandemia, modele as normas de forma bem fundamentada.

Se os portugueses reduzissem em 1/3 o que comem (e em 2/3 a dose de carne) mesmo assim, um valor superior ao recomendado –, poupariam 3 a 8% da despesa total, com vantagens não só para o seu orçamento e a sua saúde como ainda para baixar o preço dos produtos alimentares, dada a diminuição da procura, que assim ficariam ao alcance de mais famílias.

A carne é um dos alimentos mais caros mas de que os portugueses abusam consomem em média 4 (quatro) vezes o valor recomendado, com todos os inconvenientes que isto representa para o orçamento, para os riscos para a saúde, para o ambiente e ainda para o tremendo sacrifício animal.

É claro que as famílias mais necessitadas são as que mais precisam de adequada orientação sobre alimentação saudável, tanto mais que, paradoxalmente, é nessas famílias que a taxa de obesidade é maior.

“Quando o rendimento familiar diminui, aumenta a prevalência da obesidade.” Os produtos alimentares têm um peso de 19,2% na despesa das famílias mais pobres e de 11% nas mais ricas. Bastaria que aquelas famílias reduzissem em 1/3 o que comem para pouparem 6,4% do orçamento para outros fins; os gordos deveriam reduzir ainda mais, com benefícios para a saúde além dos financeiros.

Sem um aconselhamento adequado, as medidas financeiras não farão mais que manter o desequilíbrio alimentar e a actual discriminação social. Seria subsidiar a obesidade nacional. À atenção da DGS. A apoiar seria a produção de alimentos vegetais (para a sobremesa, a sopa e salada), olhados não como qualquer mercadoria.

Mas qualquer campanha por uma alimentação saudável de que a população tanto necessita será votada ao insucesso e incoerente face à avalanche de publicidade exibida na TV pública e privada. Cada anúncio a produtos destes deveria ser seguido por uma imagem alusiva às consequências; seria paga pelo anunciante e uma maneira de os publicitários e os criativos se redimirem da cumplicidade.

As refeições não podem deixar de ser um tempo de prazer. Comer menos não impede fruir o paladar da comida – comer devagar, pouco de cada vez, mastigar bem para saborear; e pousar os talheres para conversar.

Uma investigadora portuguesa foi premiada por comprovar que comer devagar emagrece. E começar sempre pela sopa (canja não é sopa). Ir bebendo água e beberricar o vinho para o apreciar plenamente. Que prazer se perde quando, por analogia, se sofre de “deglutição precoce”.

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