Em “abstracto”, Marcelo admite pedir clarificação da lei das incompatibilidades ao Tribunal Constitucional

A partir de Chipre, Marcelo desvalorizou o impacto que as recentes polémicas que têm afectado estes seis meses de Governo possam ter no regular funcionamento das instituições e argumenta que a sua divulgação “é a democracia a funcionar”.

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Marcelo Rebelo de Sousa considera que casos podem desgastar os actores políticos LUSA/JOSÉ COELHO

Para Marcelo Rebelo de Sousa, se dúvidas existem sobre incompatibilidades de titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, então "é preciso ver o que é que se passa, se sim, se não [há ilegalidades], para não haver generalizações”. Em declarações aos jornalistas durante uma visita no centro histórico de Nicósia, em Chipre, o Presidente da República foi questionado sobre o caso que envolve o ministro das Infra-Estruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, devido a um contrato público por ajuste directo assinado pela empresa que o ministro detém (com uma participação de 0,5%) com o seu pai (que detém 44%).

O chefe de Estado recusa falar em “casos concretos” e vinca que se refere aos “casos em abstracto”. O Presidente da República rejeita “generalizações” e sublinha que nem todos os casos são iguais. “Se a lei define determinadas regras sobre incompatibilidades, e há situações que são abrangidas por essas regras, então há que fazer cessar a incompatibilidade”, admite. Porém, logo a seguir, ressalva que em determinados casos não há incompatibilidades, porque “a lei define determinadas percentagens de capital” e “se não se atinge essa percentagem, ou se não se atinge determinado valor no contrato, aí não se aplica a lei”.

"Não sei se porventura não é mesmo essa [a situação]”, refere o Presidente da República, em relação ao caso de Pedro Nuno Santos. “Uma coisa é afirmação dos princípios, outra é a aplicação dos princípios aos casos concretos. E, muitas vezes, começa-se pela aplicação dos princípios aos casos concretos e depois é que se vai ver o que é que diz a lei”, comenta.

Questionado sobre se, em 2019, o acto de promulgação, tinha duvidado da constitucionalidade da actual lei, Marcelo respondeu que não viu razão para levantar a fiscalização preventiva, “nem ninguém na altura viu”. Segundo vincou, “todos ficaram muito satisfeitos com a solução a que tinham chegado, porque respondia a uma preocupação efectiva de ética e de moral política”. Mas isso não quer dizer que não admita pedir a fiscalização sucessiva da lei agora. A decisão ainda carece da sua “ponderação”, disse. “A todo o momento é possível recorrer ao Tribunal Constitucional” em relação a qualquer lei, lembrou. “É uma questão que pode ser apreciada. Não ponderei”, respondeu.

Para Marcelo, é também o seu papel perceber aquele que é, “em cada momento, o sentimento jurídico dominante” na sociedade e, nota, esse sentimento tem vindo a transformar-se ao longo das últimas décadas. “Há uma interpretação evolutiva da Constituição e da realidade e há comportamentos que a sociedade aceitava pacificamente e que agora não aceita”, ressalvou, reiterando que esse papel deve ser feito quer pelo Presidente da República, quer pelo Tribunal Constitucional. “O Tribunal Constitucional tem, em algumas matérias, revisto posições na sua jurisprudência, de forma mais apertada e exigente do que no início da democracia”, lembrou.

Desgaste do Governo ou das oposições?

Questionado sobre o impacto que as sucessivas polémicas nestes seis meses de Governo podem ter no regular funcionamento das instituições - motivo que a Constituição prevê para dissolução do Parlamento -, Marcelo defende que a sua divulgação “é a democracia a funcionar” e rejeita que se esteja perante o que aconteceu em 2004, quando o ex-presidente Jorge Sampaio decidiu dissolver a Assembleia da República.

“Não eram propriamente casos específicos que respeitassem à relação com a sociedade, ou à relação dos governantes, mas era a própria forma de funcionamento do Governo. Foi uma situação diferente daquilo que estamos a falar aqui: o que estamos a falar é de haver uma série de pontos específicos relativamente a situações alegadamente preexistentes, antes de haver o Governo, que são levantadas agora”, referiu. E responde que ao Presidente da República cabe “ser um factor de ponderação e de bom senso” para não se transformar “ele próprio num factor de instabilidade”, sublinhou.

A dúvida é saber se desgasta mais os governos ou as oposições: se se provar coisas massivamente contra os governos, são os governos; se se provar que não há fundamento, são as oposições”, disse. Mas insistiu que, nestes casos, “quem ganha sempre é a democracia, porque isto não era possível em ditadura”. Para Marcelo é “natural” que existe debate político em torno disso, até porque “faz parte da lógica das oposições tratar de todos os problemas que desgastem os Governos”.

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