Na fragilidade de uma pessoa com cancro de cabeça e pescoço: o que a radioterapia pode oferecer?

Atendendo que a maioria dos cancros da cabeça e pescoço surgem em pessoas acima dos 60 anos e contemplando a tendência de população cada vez mais envelhecida, neste que é o Dia Mundial do Cancro da Cabeça e do Pescoço reflito sobre o que a Radioterapia pode oferecer na fragilidade de um doente com este diagnóstico.

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Cancro da cabeça e do pescoço: 65% destes tumores ocorrem em pessoas com mais de 60 anos Daniel Rocha/Arquivo

O Cancro da cabeça e pescoço é a designação utilizada para referir um grupo de tumores que se desenvolvem nessa região. Por se tratar de uma região do nosso corpo com delicadas e importantes funções — como falar, respirar e alimentar —, o tratamento deste tipo de tumores acarreta enormes desafios para os profissionais de saúde, mas sobretudo para os seus doentes, que são sujeitos a tratamentos agressivos com sequelas limitadoras para a sua qualidade de vida.

Tendo em conta o impacto de uma cirurgia nesta região do corpo que provoca quase sempre deformações nas áreas afetadas, a radioterapia, associada ou não à quimioterapia, tem uma taxa de sucesso que poderá ir até aos 90% de cura em casos selecionados. A tecnologia foi uma potencial (senão major) aliada da radioncologia nas últimas décadas, permitiu-nos administrar elevadas doses de tratamentos com precisão milimétrica e controlo diário da irradiação mínima dispersas nos tecidos saudáveis, resultando numa maior taxa de curabilidade e minimização dos efeitos secundários. No entanto, o desafio de superar as toxicidades destes tratamentos permanece. Apesar de todos os esforços, do amplo desenvolvimento nesta área muitos doentes ficam limitados nas suas atividades diárias com dor, perda de saliva ou voz durante um longo período, que pode durar meses.

Apesar de a incidência de carcinomas de cabeça e pescoço estar a aumentar em idades mais jovens, em parte devido às infecções de vírus do papiloma humano (HPV), cerca de 65% destes tumores ocorrem em pessoas com mais de 60 anos. Dados da Organização das Nações Unidas revelam que em 2030, cerca de 34% da população terá mais de 60 anos e 3,5% com mais de 80 anos, prevendo-se que esta faixa etária irá progressivamente constituir a maioria dos doentes oncológicos num futuro próximo. Estes dados obrigar-nos-ão a reflectir o que realmente significa ser idoso? Qual será a idade limite para abordagens terapêuticas agressivas? Será que a idade cronológica é igual à idade biológica ou sinónimo de fragilidade? Que tipos de tratamentos podemos oferecer?

Várias ferramentas de avaliação geriátrica foram desenvolvidas para dar acesso à análise da fragilidade de um doente oncológico. Dados como mobilidade e independência das tarefas quotidianas, estado nutricional e evolução do peso ao longo da doença, carga medicamentosa, são apenas alguns exemplos que nos poderão aferir a fragilidade de um doente para além da sua idade cronológica e poder-nos-á orientar para diferentes abordagens terapêuticas. Perante um diagnóstico de cancro num doente frágil, com idade avançada, e/ou com outras doenças como cardiopatia ou insuficiência renal, cada profissional de saúde é questionado sobre agressividade terapêutica dos tratamentos que prescreve e da capacidade de tolerância que cada doente tem para superar os mesmos

Estas ferramentas de avaliação geriátrica permitiram o desenvolvimento de ensaios (como por exemplo o ELdery HeAd And Neck STUDY, atualmente em curso) com objectivo de estudar esquemas de radioterapia mais curtos e adaptados à fragilidade de um doente com diagnóstico de cancro de cabeça e pescoço. Com isto, podemos prescrever tratamentos com menos sessões de radioterapia, logo menos idas ao hospital, paragens temporárias para recuperação dos efeitos secundários, adaptação dos tratamentos, sem perder a eficácia dos mesmos. Estas diferentes modalidades de administrar radioterapia tornam toda a experiência destes tratamentos menos penosa e mais tolerável para doentes já por si debilitados.

Na área das doenças oncológicas em geral, não existem muitos estudos que avaliem os resultados de tratamentos e qualidade de vida em doentes idosos ou frágeis. Devido aos difíceis critérios de seleção para os ensaios clínicos (que normalmente excluem doentes com idades superiores a 70 anos) o médico fica com a tarefa de adaptar a evidência dos estudos à realidade desta população de doentes. Como médico, a importância da visão holística na abordagem de um doente oncológico, ir ao encontro das suas expectativas e medos, esclarecer e precaver efeitos secundários, continuam a ser pedras basilares na luta contra o cancro.

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