Cinquenta anos depois, a primeira Marcha do Orgulho de Londres pelas memórias de quem lá esteve
Veteranos da marcha de 1972 recordam a experiência “emocionante” e “empoderadora” de protestar contra a discriminação, mesmo entre gritos e cuspidelas. “Para alguns, pode ser só uma marcha, mas para mim significa mais amor.”
Há 50 anos, um grupo de defensores dos direitos LGBTQ+ marchou da Trafalgar Square até ao Hyde Park, em Londres, para lutar pela aceitação e protestar contra a discriminação na primeira Marcha do Orgulho. Na manifestação de Julho de 1972, organizada pelo grupo activista Gay Liberation Front (Frente de Libertação Gay, em português), estava John R. Lloyd, que hoje tem 69 anos. “Foi emocionante e empoderador. Pensámos que poderíamos dominar o mundo e mudá-lo de acordo com o nosso gosto... Era sobre mudar o sistema também”, diz.
Roz Kaveney, uma mulher trans de 73 anos, relembra: “É sobre não deixar que alguém diga quem tu és ou o que tu deves fazer. Era sobre autonomia, liberdade e alegria.”
A homossexualidade foi descriminalizada em 1967 em Inglaterra e no País de Gales para os maiores de 21 anos. Contudo, os manifestantes queriam que a idade de consentimento fosse reduzida para 16 anos, a mesma para casais heterossexuais, sob o argumento de que não deveria haver “limite de idade para o amor”. O objectivo foi finalmente atingido nos anos 2000.
Na sua casa em Deal, no Sul da Inglaterra, Simon Watney, de 73 anos, olha para fotos antigas, enquanto recapitula as razões para se ter juntado à manifestação ao lado do então namorado. “Eu queria, simplesmente, não ser um criminoso. Achava que era um absurdo ter que viver sob a sombra da lei, assim como todos os meus amigos”, referiu. Watney recorda, ainda, que espectadores da marcha reagiram de maneiras diferentes: “Alguns cuspiram, outros gritaram. Acho que a maioria das pessoas estava abismada e confusa. Alguns até desviavam a cara.”
Eric Ollerenshaw, de 72 anos, lembra que a polícia não foi rude, mas os agentes aparentavam estar “claramente desconfortáveis”.
Era uma época em que sair do armário era algo completamente novo, afirma Nettie Pollard, de 72 anos. “A ideia [era] de que pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transgénero não se deviam esconder, mas ser abertas sobre si mesmas”.
A Marcha do Orgulho de Londres cresceu até se tornar o maior evento diário gratuito do país. Este ano, realiza-se no sábado, 2 de Julho, e conta com 30 mil participantes registados, além de outros milhares nas ruas. Nesta edição, os organizadores vão homenagear os primeiros manifestantes, além de destacar os desafios que a comunidade ainda enfrenta a nível nacional e internacional.
Mais do que uma festa
Para o activista veterano Peter Tatchell, que marchou naquele dia em 1972, a Marcha tornou-se demasiado comercial e corporativa nos últimos anos e, por isso, vai a um evento alternativo. “Hoje é basicamente uma grande festa. E apesar de as festas serem boas, precisamos de protestar, porque ainda existem trabalhos inacabados, batalhas por lutar e ganhar”, diz, referindo-se, por exemplo, à necessidade de simplificar o processo legal de mudança de identidade enfrentado por pessoas trans.
Outros veteranos reflectem sobre a fragilidade dos direitos que conquistaram. “Esse mundo pode ser, de facto, transformado do dia para a noite e desaparecer, como vemos tão tristemente na Rússia e noutros lugares. Não há liberdade que não possa ser revertida”, alega Watney.
O médico libanês Jawad, 27, vai marchar em Londres pela primeira vez, porque ele próprio foi alvo de ódio no Líbano e na Rússia. “Quase fui preso por uma milícia no Líbano por ser homossexual. Foi por me sentir inseguro e não poder viver livremente como um homem gay que tive que ir embora”, conta. “Lá, eu não posso ser quem realmente sou, sem ter de me esconder o resto da vida.”
Jawad está grato pelos primeiros activistas que pavimentaram o caminho para as futuras gerações. “Para alguns, pode ser só uma marcha, mas para mim significa mais amor. Significa que eu posso andar em segurança e falar sobre os meus problemas, os meus direitos, a minha sexualidade e orientação.”