Mês do Orgulho LGBT+: porque ainda faz sentido

Porque é que ainda faz sentido celebrar o Mês do Orgulho? Porque em dez dos 193 países da ONU ainda é aplicável a pena de morte a indivíduos LGBTQIA+.

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Reuters/QUETZALLI NICTE-HA

Nas horas avançadas da madrugada de 28 de Junho de 1969 nasceu o movimento moderno pela defesa dos direitos dos indivíduos LGBTQIA+ após violentas acções policiais no Stonewall Inn — um bar LGBT-friendly da baixa de Manhattan, frequentado principalmente por pessoas de estratos socioeconómicos altamente desfavoráveis.

Já na década de 1980, com a identificação dos primeiros casos de vih/sida em homens homossexuais, vários países adoptaram uma política profundamente discriminatória, anti-liberal e contra toda a evidência científica ao associar a nova infecção/doença estritamente à comunidade homossexual. Ao prosseguir políticas baseadas em preconceitos sociais e políticos, líderes como Ronald Reagen e Margaret Tatcher (líderes do chamado “mundo livre” e, porquanto, a quem se exigia uma abordagem não-colectivista nem discriminatória) alimentaram quadros legais e uma política discriminatória em todos os níveis da actuação política e da sociedade que contribuiu severamente para a disseminação nacional e internacional do vih/sida, limitou a capacidade de investigação científica livre sobre a mesma e condenou tantos à morte, principalmente aqueles com expressões não-tradicionais da sexualidade.

Mais de 50 anos depois da erupção das revoltas de Stonewall, a progressiva equalização dos indivíduos LGBTQIA+ perante a lei tem vindo a evoluir de forma positiva em partes consideráveis do globo. Hoje, na maioria dos países do dito mundo ocidental, já foram repelidas leis que previam a criminalização das relações não-heterossexuais, com quadros legais que prescreviam desde penas de multa a penas de morte. O número de países em que é reconhecida, em pé de igualdade, a união entre duas pessoas independentemente do sexo e expressão de género tem vindo progressivamente a aumentar, assim como a protecção legal das pessoas transgénero. A opinião pública relativamente a indivíduos LGBTQIA+ é muito mais positiva hoje que em qualquer período anterior da História Moderna, com particular destaque para as faixas etárias mais jovens e para pessoas com qualificações académicas mais avançadas no mundo ocidental.

Então, se a evolução tem sido “tão” positiva, se há um movimento de melhoria estável e contínua e se há boas perspectivas de futuro tendo em conta o crescimento das gerações mais jovens num meio promotor da tolerância e contra as discriminações com base em características intrínsecas, porque é que ainda faz sentido celebrar o Mês do Orgulho?

Porque em dez dos 193 países da ONU ainda é aplicável a pena de morte a indivíduos LGBTQIA+. Porque em 71 dos 193 países da ONU ainda existem quadros legais e/ou constitucionais que prevêem a criminalização de indivíduos LGBTQIA+, desde multas pesadas a penas de prisão perpétua

Porque em apenas 23 dos 193 países da ONU existe a possibilidade legal de adopção ou co-adopção de crianças em instituições temporárias de acolhimento por casais do mesmo sexo — cumprindo os mesmos critérios e avaliações prévias aplicáveis a casais heterossexuais.

Porque em 29 dos 193 países da ONU existem leis “anti-propaganda LGBT”, algumas das quais são de tal forma abrangentes que impedem a simples referência a pessoas não-heterossexuais.

Porque mais de 90 dos 193 países da ONU impedem a participação de indivíduos LGBTQIA+ nos diversos ramos das suas forças armadas, em condições físicas e de qualificações em igualdade com as exigidas aos indivíduos heterossexuais.

Porque foi apenas há 15 anos que as premissas legais que efectivamente criminalizavam os actos e as pessoas LGBTQIA+ em Portugal foram eliminadas. Porque foi apenas há 12 anos que Portugal equiparou perante a lei as uniões entre pessoas do mesmo sexo e do sexo oposto. Porque foi há apenas há sete anos que Portugal permitiu a adopção por casais do mesmo sexo.

E, principalmente, porque a luta só termina quando existir uma verdadeira equidade perante a lei e perante a sociedade — e a sociedade não é mutável por decreto.

Ainda hoje existe discriminação na contratação e oportunidades de promoção, apesar de estas práticas serem ilegais. Ainda hoje existe discriminação no acesso a habitação, apesar de estas práticas serem ilegais. Ainda hoje existe discriminação de crianças e jovens nas escolas, nas actividades extra-curriculares e no seio das suas famílias, apesar de estas práticas serem inconstitucionais e violarem as mais básicas noções de desenvolvimento psicossocial do menor de idade.

Ainda hoje existe um grau elevado de desactualização nas áreas da saúde e justiça quanto a situações que são particulares a indivíduos LGBTQIA+ (como as existem relativamente, por exemplo, a mulheres, menores, sem-abrigo, cidadãos de estratos socioeconómicos desfavoráveis, populações migrantes), apesar dos esforços que têm sido empregues na actualização dos planos curriculares e formação pós-graduada.

E, sobretudo, porque esta noite ainda existirá alguém na sua cama a pensar que estará melhor fora de casa, sozinho ou até pondo termo à sua vida que a viver como e quem é, com liberdade total, e com orgulho em si.

Porque ainda faz sentido.

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