Cidadãos descontentes com novo regulamento da movida: “Isto vai de mal a pior”

Grupo de cidadãos está a preparar carta para entregar na Câmara do Porto. Novo regulamento, em discussão pública até ao fim do mês, não é a solução que ansiavam. Policiamento permanente, fiscalização e pedagogia são alguns dos pedidos

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Regulamento da movida está em discussão pública até 30 de Junho Paulo Pimenta

Agostinho Botelho pôs a casa à venda. O privilégio de morar no centro do Porto transformou-se, nos últimos anos, num pesadelo quase diário. Na Rua dos Mártires da Liberdade, descansar fez-se um direito de cumprimento impossível. Os filhos mudaram-se, a mulher está com uma depressão, ele sente-se fatigado de uma luta que diz inglória. “Há sete anos que ando em reuniões de câmara, a apresentar queixas na polícia, a chatear-me. E agora apresentam um regulamento que não resolve nada. Isto vai de mal a pior”, diz ao PÚBLICO. Há dias, um grupo de cidadãos, com moradores e comerciantes, reuniu-se para trocar ideias sobre o novo regulamento da movida, apresentado pelo executivo no início de Maio e em discussão pública até dia 30 deste mês. Este sábado, voltam a juntar-se para fechar uma “carta”, com uma posição conjunta, a entregar à Câmara do Porto.

Patrícia Figueiredo também se juntou ao grupo. Mora na Praça do Coronel Pacheco, trabalha na Rua do Almada. Entre estes dois locais, tem testemunhado o sofrimento de muita gente. A “tortura sonora” das noites e o direito a dormir suspenso produziram níveis de ansiedade aumentados, muito stress, diagnósticos de depressões. As ruas transformaram-se muitas vezes em casas de banho públicas, o lixo espalhou-se, a segurança minguou. É uma realidade que Patrícia Figueiredo, psicóloga de formação, ansiava ver em mudança com a ajuda do novo regulamento. Mas o documento, diz, foi uma desilusão. “Prejudica ainda mais as pessoas.”

O único negócio que é “atingido” com esta nova regulamentação é “o dos pobres”, critica, falando das mercearias e lojas de conveniência, cujos horários ficam mais limitados. No resto, continua Patrícia, a possibilidade de alargar horários existe e será agrura aumentada para moradores. É possível, por exemplo, que os estabelecimentos solicitem um alargamento de horário por mais duas horas – algo com o qual não concorda. As esplanadas podem funcionar até 30 minutos após o encerramento do espaço fechado.

“Este novo regulamento foi feito por causa das queixas dos moradores e vem piorar a nossa vida.” O lamento de Agostinho Botelho, de 60 anos, junta-se a uma contundente crítica à possibilidade de alargamento dos horários dos estabelecimentos – mesmo que a venda de bebidas alcoólicas ao postigo e a possibilidade de circular com o copo na mão passe a estar limitada até às 21h, como está previsto. Para o morador da “rua mais barulhenta do Porto”, a situação – que é já “caso de saúde pública” – só lá vai com mais policiamento. E de forma permanente.

Agostinho Botelho já perdeu a conta ao número de vezes em que ligou para a PSP ou para a Polícia Municipal a pedir ajuda. Tal como perdeu a conta das irritações à conta do jogo do empurra”: uma diz que a responsabilidade é da outra.” Na sua rua, chegam a juntar-se “para cima de 1000 pessoas”, a beber, com colunas de músicas, a consumir e traficar drogas, a conversar em alta voz até de madrugada. Quando a polícia chega, dispersam, calam-se, desligam a música. Quando a polícia se afasta, o problema volta. “É impossível descansar”, lamenta.

Pedagogia precisa-se

A conciliação entre a vida de quem mora nestas zonas e de quem tem negócios nela não é impossível. Palavra de Leonel Sousa, que tem um bar no Campo dos Mártires da Pátria há uma década e acredita que é possível um “equilíbrio”. Esse objectivo, porém, não será conseguido com o novo regulamento, avalia: “Não resolve o problema dos moradores e inviabiliza o comércio.”

O foco, pede, tem de ser colocado nos consumidores. Criar regras, apostar em polícia permanente, ter fiscalização dissuasora, fazer pedagogia. “Sinto que sobre os comerciantes recai todos os pesos: cumprir, fazer cumprir. Não é justo.” A prova de que não é esse o caminho foi dada durante a pandemia, exemplifica: com os estabelecimentos encerrados, a vida dos moradores não melhorou – pelo contrário. “Houve mais agressões, insegurança, ruído, colunas de música, bebidas na rua. É sobretudo a prática das pessoas que tem de mudar, não a dos estabelecimentos.”

Patrícia Figueiredo concorda. O novo regulamento devia prever uma “forte componente pedagógica, quer nos aeroportos, quer nas ruas”, aponta, para logo lamentar que a Câmara do Porto “ignore” essa necessidade. “Há espaço para essa pedagogia. Avisar as pessoas [que estão a divertir-se nas ruas] que há gente a viver ali e a tentar descansar. A maior parte é sensível a isso.”

A fiscalização é outro problema do novo regulamento. “Esse parágrafo é exactamente igual ao do anterior regulamento”, critica a moradora, referindo-se ao artigo 17.º do novo regulamento, que, como o PÚBLICO confirmou, nada acrescenta ou altera relativamente ao documento com quatro anos. “Não se diz quem, quando e como fiscaliza.” E se há ponto em que moradores e comerciantes estão de acordo, continua, o da segurança (ou da falta dela) é um deles: “Há falta de policiamento. E uma demissão completa da câmara neste capítulo.”

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