Olhar para o próprio rosto durante videochamadas piora o humor, revela estudo

Estudo norte-americano revela que quanto mais uma pessoa olha para si própria durante uma reunião virtual, pior é o seu humor. E o álcool não ajuda.

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Há cada vez mais estudos sobre fadiga digital, mas nem sempre com conclusões científicas claras Loren Elliott

Quanto mais tempo uma pessoa olha para si própria durante uma videochamada, pior fica o seu humor​; e beber álcool piora a situação. A conclusão é de um grupo de investigadores da Universidade de Ilinóis​, nos EUA, que entrevistou dezenas de pessoas antes e depois de videochamadas e usou tecnologia de rastreio ocular para medir a quantidade de tempo que passavam a olhar para a sua própria imagem (autovista). Parte dos participantes ingeriu bebidas alcoólicas para participar na experiência.

Os resultados são detalhados na próxima edição da revista académica Clinical Psychological Science. "Queríamos examinar a relação entre o humor das pessoas, o consumo de álcool e o foco durante as interacções virtuais”, adianta Talia Ariss, a investigadora do departamento de psicologia da Universidade de Ilinóis que liderou o estudo, na apresentação dos resultados. “Descobrimos que os participantes que passavam mais tempo a olhar para si próprios durante uma chamada se sentiam pior”, revelou. “E as pessoas que estavam sob a influência de bebidas alcoólicas passam mais tempo a olhar para si mesmas.”

A equipa avança que os resultados mostram o potencial de plataformas de videochamadas para agravar sintomas de depressão e ansiedade. Desde o começo da pandemia, têm surgido vários relatos de “fadiga digital” — uma sensação de exaustão após interacções virtuais, como videochamadas, que se tornaram mais frequentes com a covid-19.

Nos primeiros meses da pandemia, por exemplo, o número de utilizadores da plataforma Zoom aumentou mais de 30 vezes: de 10 milhões, em Dezembro de 2019, para 300 milhões, em Abril de 2020.

"Dado o aumento dos distúrbios emocionais e do consumo problemático de álcool durante a pandemia, torna-se imperativo compreender os processos cognitivos envolvidos nas interacções virtuais e o impacto do álcool em espaços sociais virtuais”, lê-se no estudo​.

Para chegar às conclusões, os investigadores recrutaram 246 participantes entre os 20 e os 30 anos e dividiram-nos em pares para videochamadas. Antes e depois de cada conversa, as pessoas foram inquiridas sobre o seu estado emocional. Metade dos participantes ingeriu uma bebida alcoólica antes da experiência — o suficiente para ficarem com 0,08% de teor de álcool no sangue. Depois, foi usada tecnologia de rastreio ocular (técnica para registar os movimentos dos olhos) para perceber qual a zona do ecrã que os participantes estavam a observar.

Em geral, as pessoas passavam mais tempo a olhar para o seu parceiro de conversa do que para si mesmas. Mas quem olhava mais para a sua imagem, reportava emoções mais negativas no final da conversa. Quem consumia bebidas alcoólicas antes da experiência passava mais tempo a olhar para si mesmo e, consequentemente, revelava piores níveis de humor.

“Há evidências fortes de que o álcool actua como um lubrificante social e que tem propriedades de melhoria do humor”, justificou Talia Ariss. “Só que isto não se revelou verdadeiro para videochamadas. Um maior consumo de álcool correspondeu a um maior ‘auto-foco’ e não produziu melhorias no humor.” Ou seja, o álcool tem um efeito contrário em reuniões virtuais.

Estudar a “fadiga digital"

Durante a apresentação preliminar do estudo, as investigadoras da Universidade de Ilinóis não avançaram com uma explicação científica para os resultados.

Nos últimos anos, o conceito de “fadiga digital” e as consequências do aumento das videochamadas têm-se tornado tópicos de estudo nas ciências sociais. No começo de 2021, Jeremy Bailenson, professor e fundador do Laboratório de Interacções Virtuais da Universidade de Standford nos EUA, publicou um estudo sobre os efeitos de videochamadas prolongadas. Segundo Bailenson, o contacto visual, que é superior ao normal nas sessões por videoconferência, é uma das grandes causas. Regra geral, numa reunião presencial as pessoas olham para quem fala; numa reunião online o utilizador pode observar vários participantes — incluindo-se a si próprio — de uma só vez.

O estudo da Universidade de Ilinóis, nos EUA, sugere que a visão da própria imagem, durante videochamadas, pode aumentar os níveis de fadiga digital. No entanto, a equipa alerta que é preciso mais investigação para perceber o efeito destas plataformas digitais no bem-estar das pessoas a longo prazo.

"Nesta altura da pandemia, já chegámos à conclusão de que as interacções virtuais não são iguais às interacções cara-a-cara. Muitas pessoas estão a lutar contra sensações de cansaço e melancolia após um dia inteiro de reuniões tipo Zoom”, notou a co-autora do estudo, Catharine Fairbairn, na apresentação do trabalho. “O nosso trabalho sugere que a ‘autovista’ oferecida em muitas plataformas pode fazer com que essas interacções sejam mais cansativas do que precisam de ser”.

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