Guerra na Ucrânia apanhou Danil e Olena de férias na Madeira. “Gostamos de estar aqui e aqui também podemos ajudar”

Um grupo de turistas ucranianos foi surpreendido pela invasão quando estava de férias em Portugal. “O meu pai tem 55 anos, e foi lutar pelo nosso país. É isso que estamos a fazer na Ucrânia: a lutar pelo nosso país. Cada um faz o que pode”, diz Danil

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Danil, 27 anos. Maria, 25, e Olena, 23, são três de um grupo de quatro turistas que estava em Lisboa quando o exército russo atravessou a fronteira e entrou na Ucrânia

Quando a guerra chegou, estavam de férias. Danil, 27 anos. Maria, 25, e Olena, 23, são três de um grupo de quatro turistas que estava em Lisboa quando o exército russo atravessou a fronteira e entrou na Ucrânia. Tinham vindo de Madrid, e depois de Lisboa o plano era seguir até à Madeira. Continuaram.

“Não sabíamos o que fazer. Ainda não sabemos.” É Maria quem fala. Ela, o marido e um casal de amigos, Danil e Olena, estavam cansados de esperar. De estarem fechados no apartamento que alugaram no Funchal, a ver as notícias que chegavam da guerra. De olhos postos nos grupos no Telegram, no Facebook, no Youtube.

“Soubemos que as pessoas estavam a ajudar, e nós não podíamos ficar a ver”, explica, apontando para um homem alto, de bigode farto, que vai armazenando leite em pó numa caixa de cartão. “Foi ele que nos disse, o que estava a acontecer aqui. Foi ele que nos trouxe.”

O homem acena que sim com a cabeça e continua a empacotar o caixote juntamente com os restantes voluntários. São cerca de duas dezenas ali num armazém de um centro logístico na periferia do Funchal. O azul e amarelo da bandeira ucraniana marca o espaço onde vão chegando os donativos para a Ucrânia. Roupa, brinquedos, fraldas, comida, alguns medicamentos, ração para animais. Tudo é separado, processado, embalado, rotulado e arrumado num contentor com destino a Alverca, onde está a ser concentrada a ajuda portuguesa. E daí para a Polónia.

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Ucranianos tornaram-se também eles voluntários

“Com sorte, conseguimos passar a fronteira”, espera Valentyna, uma ucraniana radicada há vários anos na Madeira. “Com o dinheiro que angariamos, já compramos coletes à prova de bala para os voluntários”, acrescenta, dizendo que as carrinhas partem para a Polónia cheias de donativos, e regressam a Portugal com refugiados. Para já, vai seguir da Madeira mais um contentor, que Danil, webdesigner, está a ajudar a carregar. “Não podíamos ficar parados, sem fazer nada. É a nossa terra. O nosso povo”, diz, num inglês arranhado, que Maria vai ajudando a desbloquear. Quando não consegue, é o telemóvel de Danil a dar uma ajuda, através do tradutor automático. O mesmo telefone onde, orgulhoso, Danil mostra uma fotografia do pai, de camuflado militar, espingarda automática na mão e a braçadeira amarela no braço. “Tem 55 anos, e foi lutar pelo nosso país. É isso que estamos a fazer na Ucrânia: a lutar pelo nosso país. Cada um faz o que pode.”

Eles estão ali, mas têm planos diferentes para o futuro próximo. Maria e o namorado, que ficou a trabalhar no apartamento que os quatro alugaram no Funchal, quer regressar à Polónia. Danil e a mulher Olena, uma tatuadora e designer, querem continuar na Madeira pelo menos um ano. “Gostamos de estar aqui, e aqui também podemos ajudar. Fazer a nossa parte”, justifica, acrescentando que os dois pretendem começar a trabalhar rapidamente.

Por isso, vão aproveitar a formação de português que o governo madeirense começa a promover esta semana junto dos cerca de 80 ucranianos que estavam de férias na ilha, quando a Rússia invadiu a Ucrânia, na madrugada de 24 de Fevereiro. Em Obukhiv, uma pequena cidade com pouco mais de 30 mil habitantes a Sul de Kiev, de onde os quatro são originários, a situação está calma. “Estamos sempre a acompanhar as notícias, mas para já está tudo bem com a nossa família e amigos”, diz Maria, que esperava mais da NATO e da União Europeia. Compreendem o receio, o medo de uma guerra mundial, mas é preciso fazer mais. Danil interrompe. Fala rapidamente para o telefone, e mostra a tradução: “Nós [russos e ucranianos] não somos irmãos. Não podem escrever isso. Não é verdade”.

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Daniel e Olena trabalhavam na Ucrânia na área de webdesigners

Svitlana concorda. “Nós e os russos não somos irmãos, não digam isso. Amamos a liberdade, e eles calam-se perante as injustiças. Somos povos diferentes. Não nos imaginamos a viver sem liberdade. Quando não concordamos com o governo, protestamos. Não ficamos calados.” Agora já estamos numa sala num hotel no Funchal, onde Svitlana, 34 anos, o marido, Volodymyr, de 32, e a filha de ambos, Vladyslava, de quatro, estão hospedados desde 19 de Fevereiro. Também estavam de férias na Madeira, e agora estão ali, à espera, sem saber o que fazer.

Com o escalar da tensão, todos no país aguardavam por alguma coisa. Mas nunca uma invasão. Mesmo assim, antes de partirem para a Madeira, Volodymyr e Svitlana prepararam-se para o pior. Tiraram cópias dos documentos. Abasteceram a despensa. Arrumaram uma mala de viagem com o essencial. Atestaram o depósito do automóvel. “Depois viemos. Agora está tudo lá, preparado. Menos nós”, diz Volodymyr, engenheiro informático, que está preparado para trabalhar remotamente se for necessário.

Os três já foram ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras requerer protecção, para ter acesso a número de segurança social e finanças. A estadia no hotel, um all-inclusive, onde estão mais 23 cidadãos ucranianos na mesma situação, está a ser suportada pelo governo madeirense, mas os dois não pretendem ficar, nem se sentem como refugiados. “Nós temos país, e queremos voltar”, diz a mulher, que trabalha para uma multinacional norte-americana na área das tecnologias de informação. Os três não pensam noutra coisa. Vladyslava tem saudades de casa, dos amigos da creche, da família. “Temos procurado explicar que não podemos ir ainda, mas não tem sido fácil. Ela quer brincar, e no hotel há poucas crianças”, diz o pai, que não arrisca dizer quando ou como o conflito vai acabar.

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Alguns destes ucranianos têm os pais a combater no seu país

Svitlana não quer concessões – “Porque havemos de dar a nossa terra à Rússia?” –, e também espera mais apoio da NATO e do Ocidente. “Sei que têm medo da resposta russa. Compreendo isso. Mas vejam, a guerra já está a acontecer. A Ucrânia é apenas o campo de batalha, não é o alvo final”, argumenta. “Temos de lutar até ao fim.”

Há desalento na voz de Svitlana. Há raiva também. “Odeio o Putin. Todos os ucranianos odeiam.”

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