Biden diz que Putin vai “pagar o preço” de invadir a Ucrânia e recebe apoio dos republicanos

Num discurso sobre o Estado da União dominado pelos problemas internos nos Estados Unidos, o Presidente norte-americano começou por tentar unir o país à volta da defesa da Ucrânia: “Quando a história desta era for escrita, a guerra de Putin terá deixado a Rússia mais fraca e o resto do mundo mais forte.”

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Atrás de Joe Biden estiveram, pela primeira vez, duas mulheres: Kamala Harris, vice-presidente dos EUA e presidente do Senado, e Nancy Pelosi, líder da Câmara dos Representantes EPA/SAUL LOEB / POOL

Os Estados Unidos juntaram-se aos países que anunciaram o encerramento do seu espaço aéreo aos aviões russos, e vão usar 30 milhões de barris de petróleo das suas reservas estratégicas para amortecer o impacto das sanções aplicadas à Rússia, anunciou o Presidente norte-americano, Joe Biden, no seu primeiro discurso sobre o Estado da União. Ao mesmo tempo que as bombas caíam nas cidades ucranianas, na madrugada desta quarta-feira, Biden dirigia-se ao Congresso dos EUA, em Washington D.C., para dizer que o Presidente russo “irá pagar o preço” da invasão.

“Ao longo da nossa história, aprendemos a lição de que os ditadores continuam a provocar o caos quando não pagam um preço pelas suas agressões. Os custos e as ameaças, para a América e para o mundo, continuam a subir”, disse o Presidente dos EUA, num discurso centrado em questões de política interna, com uma parte inicial dedicada à guerra na Ucrânia.

“Ele pensou que o Ocidente e a NATO não iam responder”, disse Biden, referindo-se ao Presidente da Rússia, Vladimir Putin. “E pensou que podia dividir-nos aqui no nosso país. Mas estava errado. Nós estávamos preparados”, afirmou o Presidente dos EUA, na única parte do discurso que foi recebida com fortes aplausos na bancada do Partido Republicano.

Elogio ao povo ucraniano

Antes de detalhar as sanções económicas e outras medidas que já foram decididas para responder à invasão russa, o Presidente dos EUA elogiou “o destemor, a coragem e a determinação” do povo ucraniano — representado no salão da Câmara dos Representantes pela embaixadora da Ucrânia em Washington D.C., Oksana Markarova.

“Que cada um de nós envie um sinal inequívoco à Ucrânia e ao mundo”, disse Biden, perante os aplausos dos congressistas de ambos os partidos. “Por favor, levantem-se se puderem, e mostrem que os Estados Unidos da América estão ao lado do povo ucraniano.”

Para além do anúncio de que os EUA vão fechar o seu espaço aéreo aos aviões russos, e que vão usar 30 milhões de barris de petróleo das suas reservas estratégicas para conter os custos das sanções económicas contra a Rússia (com mais 30 milhões a serem disponibilizados por outros países), Biden anunciou também que o Departamento de Justiça norte-americano criou um gabinete “para ir atrás dos crimes dos oligarcas russos”.

“Estamos unidos com os nossos aliados europeus para confiscar os iates, os apartamentos de luxo e os aviões privados [dos oligarcas russos]. Vamos atrás dos vossos ganhos ilícitos”, disse Biden.

Sem máscaras

Atrás do Presidente dos EUA, sentaram-se pela primeira vez, num discurso sobre o Estado da União, duas mulheres: Kamala Harris, vice-presidente dos EUA e presidente do Senado; e Nancy Pelosi, a líder da Câmara dos Representantes.

Na assistência, os congressistas dos dois partidos — alguns com peças de vestuário azuis e amarelas, as cores da bandeira da Ucrânia —, e também os representantes da Administração Biden, do Supremo Tribunal e das forças armadas, assistiram ao discurso de Biden num ambiente ainda marcado pela pandemia de covid-19.

Nos últimos dias, os responsáveis médicos no Congresso deixaram cair a obrigação do uso de máscara no edifício, à semelhança do que tem acontecido um pouco por todo o país, à medida que o número de casos vai descendo de forma acentuada. Ainda assim, a imposição de um teste à entrada — que alguns congressistas republicanos não quiseram fazer, preferindo ficar em casa —, e o distanciamento nas cadeiras, fez com que o ambiente tivesse ficado ainda longe das multidões de anos passados.

Durante o discurso, o Presidente norte-americano tentou usar o abrandamento da pandemia como um motivo de união no país.

“Vamos aproveitar este momento para fazermos uma reconfiguração. Deixemos de olhar para a covid como uma linha de divisão entre partidos, e comecemos a vê-la como ela é: uma doença muito desagradável. E deixemos de nos vermos uns aos outros como inimigos. Comecemos a ver-nos como aquilo que somos: compatriotas.”

Desunião interna

O raro momento de união entre o Partido Democrata e o Partido Republicano terminou assim que o Presidente norte-americano passou para a discussão dos problemas internos nos EUA.

Num exemplo de como a compostura em actos oficiais faz parte do passado na política dos EUA, as congressistas republicanas Marjorie Taylor Greene (da Georgia) e Lauren Boebert (do Colorado) — ambas da facção mais à direita no seu partido — gritaram “Build the wall” (construam o muro) quando Biden falou sobre a reforma adiada das políticas de imigração.

Noutro momento do discurso, quando o Presidente dos EUA falava sobre os soldados norte-americanos que regressaram ao país “em caixões adornados com a bandeira”, Boebert gritou “Você pô-los lá — 13 deles!”, numa referência aos 13 marines que foram mortos no atentado do Daesh no Afeganistão, no Verão de 2021.

Combate à inflação

A braços com uma subida da inflação que põe em causa o forte crescimento económico e a diminuição do desemprego no último ano, e ameaçado por uma taxa de popularidade em mínimos desde que chegou à Casa Branca, Biden aproveitou o discurso — e a oportunidade de falar directamente para dezenas de milhões de norte-americanos através da televisão — para explicar o que fez até agora e o que pretende fazer nos próximos anos com a ajuda do Congresso.

O problema, para Biden e para o Partido Democrata, é que as próximas eleições para o Congresso vão realizar-se já em Novembro, e o Partido Republicano tem todas as condições para recuperar as maiorias na Câmara dos Representantes e no Senado. Se isso acontecer, a agenda legislativa da Casa Branca ficará bloqueada até ao final do mandato de Biden, em Janeiro de 2025.

Talvez por isso, o Presidente dos EUA fez uma declaração que agradou aos republicanos e aos democratas do centro, e que não terá sido bem recebida pela ala progressista do Partido Democrata: “A resposta não é tirar financiamento à polícia. A resposta é dar mais financiamento à polícia”, disse Biden — uma posição que teve como objectivo desfazer uma imagem que ficou associada ao Partido Democrata desde o Verão de 2020, na sequência dos protestos contra a violência policial e o racismo.

Para tentar contrariar a subida da inflação, Biden apresentou um plano que passa pela descida dos custos para os cidadãos, incluindo o preço dos medicamentos e as mensalidades de infantários e lares para idosos.

Mais do que qualquer outro assunto, é a inflação que tem empurrado a popularidade de Biden para baixo. Ainda que haja mais emprego e que a economia esteja a crescer acima do que era esperado, a subida dos preços — provocada pelo aumento do consumo e por quebras na distribuição, por causa da pandemia — acaba por levar o dinheiro que os norte-americanos têm a mais nos bolsos no início de cada mês.

O antídoto, segundo Biden, passa por aumentar a produção nos Estados Unidos, para que os produtos cheguem às prateleiras em maior quantidade, mais rapidamente e com menos custos para os consumidores.

“Vamos comprar produtos americanos para garantirmos que tudo — do convés de um porta-aviões ao aço usado nos separadores nas auto-estradas — é feito na América”, disse Biden.

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