Pintura saqueada pelos nazis e devolvida por um museu de Dresden vai a leilão em Nova Iorque

A Sotheby’s vai leiloar no dia 27 um quadro do retratista Nicolas de Largillière (1655-1746) que pertenceu ao coleccionador judeu Jules Strauss e que uma sua bisneta tinha conseguido reaver há um ano do Museu de Arte de Dresden.

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Detalhe do quadro de Largillière

O quadro Portrait of a Lady as Pomona, do retratista Nicolas de Largillière (1655-1746), que a Sotheby’s vai leiloar em Nova Iorque no próximo dia 27 com um preço-base de um milhão de dólares, tem tido uma movimentada história recente: espoliado pelos nazis ao coleccionador Jules Strauss (1861-1043) na Primavera de 1941, em plena Segunda Guerra Mundial, estava desde 1959 no Museu de Arte de Dresden, na Alemanha, que há pouco menos de um ano restituiu a obra a uma bisneta de Strauss, Pauline Baer de Perignon.

A tornar esta devolução num caso algo singular entre os vários processos de restituição de obras de arte saqueadas pelos nazis que têm sido desencadeados nos últimos anos está o facto de Pauline Baer de Perignon não apenas se ter lançado por conta própria numa complexa e persistente investigação, tentando apurar o que se passara ao certo com a colecção do seu bisavô, mas ter também escrito um livro sobre o assunto que está a gozar de considerável sucesso: La Collection Disparue, lançado em Setembro de 2020 pela editora francesa Stock.

E não é talvez coincidência que o museu em causa – chama-se oficialmente Staatliche Kunstsammlungen Dresden (Colecções Estaduais de Dresden) e é um dos mais antigos museus de arte do mundo – tenha finalmente aceitado devolver o quadro, após anos de negociações, pouco depois de o livro ter sido publicado.

Satisfeita por se ter “feito justiça”, Pauline afirmou ao jornal inglês The Telegraph que só lamentava não ter dinheiro para comprar ela própria a pintura, O facto de haver 20 herdeiros com direito a um quinhão tornou o recurso ao leilão inevitável.

A Sotheby’s descreve a obra como uma proeza do artista, que confirma o seu talento para captar com elegância e beleza figuras proeminentes da sociedade parisiense da época. Acredita-se que o modelo de Largillière (um pintor francês radicado em Londres) tenha sido a marquesa de Parabère – favorita de Filipe II, duque de Orleães e regente de França durante a menoridade de Luís XV –, aqui representada como Pomona, a deusa romana da abundância e dos pomares.

“A investigação deste caso complexo foi extensa e minuciosa, como é necessário para assegurar que uma obra de arte seja restituída ao seu proprietário de direito”, afirmou o Museu de Dresden. E que começou, segundo Pauline de Perignon relata no seu livro, com alguma má-vontade da instituição para tomar em consideração os argumentos da herdeira.

E se é essencialmente a ela que se deve a recuperação da pintura, a verdade é que ao longo da sua vida adulta nunca soube grande coisa acerca da colecção do seu bisavô e do destino que esta poderia ter tido. Foi só em 2014, quando um primo que mal conhecia lhe sugeriu que o antepassado comum poderia ter sido roubado pelos nazis, que sentiu a necessidade de investigar o assunto.

“Essas palavras mudariam a minha vida”, escreve no seu livro. “Durante três anos, levada por uma forte atracção pelos enigmas, lancei-me no rasto de Jules Strauss e de uma história que nunca me tinha sido transmitida”. E à medida que aprofundava a sua investigação, “do Louvre aos arquivos da Gestapo e ao Ministério da Cultura [francês], a realidade do roubo começou a aparecer”.

Strauss, um banqueiro judeu nascido em Frankfurt, passou toda a sua vida adulta em França, onde reuniu uma notável colecção de arte que chegava até aos grandes nomes do Impressionismo. Durante a ocupação alemã, esta foi parcialmente saqueada ou comprada sob ameaça de violência pelos nazis, que também requisitaram o luxuoso andar onde o coleccionador morava em Paris. Conseguiu porém evitar a deportação e morreu de doença antes do final da guerra, em 1943.

A sua bisneta descobriu que o quadro de Largillière tinha sido adquirido à força, em 1941, para o Deutsche Reichsbank, o Banco Central alemão, e que daí transitara após a guerra para uma galeria de arte estatal em Berlim Oriental, até finalmente ser transferido, em 1959, para o Museu de Dresden. Cujo director começou por se mostrar pouco disposto a devolver o quadro, a acreditar no relato que Pauline faz em La Collection Disparue, citado pelo jornal The Telegraph: “As suas perguntas ficaram-me gravadas na memória… ‘Talvez o senhor Strauss tenha ficado feliz por ter vendido a sua pintura por um preço decente?’, disse ele.”

Mas a herdeira de Strauss acabou por conseguir demonstrar que o bisavô fora coagido a vender e, no início de 2021, um camião chegado da Alemanha parou à porta de sua casa e o quadro foi-lhe devolvido. Um ano depois, o retrato da marquesa está agora prestes a encontrar um novo – e desta vez legítimo – proprietário.

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