O planeta virou plano e a regeneração virou miragem

Construir um novo aeroporto no Montijo provocará danos irreversíveis na natureza, na biodiversidade e nas populações que serão afectadas pela sua construção. Esta construção não promove a “regeneração da biodiversidade”, impede-a.

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Miguel Manso

“É fundamental actuar na sua protecção activa (da biodiversidade), promovendo actividades sociais e económicas cujo objectivo explícito seja a recuperação e regeneração da biodiversidade.” É desta forma que o PS, no programa eleitoral que apresentou aquando das eleições legislativas de 2019, promete defender a biodiversidade nacional, mostrando-se consciente da gravidade da crise climática que aí vem e cujos “impactos nos afectam já no presente”.

Continuando na senda das citações, aqui fica mais uma: “As leis não se mudam a meio do processo”. Esta afirmação, proferida por Ana Catarina Mendes em 2020, refere-se à possível alteração da lei que concede às autarquias das zonas afectadas pela construção do aeroporto, o direito ao veto.

Estas afirmações, longínquas no que diz respeito à intenção, mas recentes a nível temporal, contrastam e contradizem aquilo que o PS diz em 2021, dois anos após a primeira afirmação e apenas um ano após a segunda.

Para Ana Catarina Mendes, represente máxima do PS a nível parlamentar, alterar a lei em 2020 seria inconcebível e irresponsável (como deu a entender no programa Circulatura do Quadrado). No decorrer do último ano, a irresponsabilidade virou pragmatismo e alterar a legislação com base em situações “incómodas” virou inevitabilidade.

Segundo o PS de 2020, o PS de 2021 defende conceitos antagónicos – ser responsável ao não mudar a lei “a meio do processo” e aprovar em Conselho de Ministros a proposta para alteração dessa mesma lei. Quanto à biodiversidade, será que os antagonismos retóricos também subsistem?

Apesar de o ministro que tutela a pasta do Ambiente ter “alguma dificuldade em aceitar os que são nem-nem-nem, isto é, os que são contra tudo”, a verdade é que a opinião dos cidadãos ambientalistas e das suas associações tem de ser levada em conta, uma vez que são eles e elas quem está no terreno e quem se dedica a combater a forma insultuosa como os diversos governos têm vindo a tratar o nosso país e a sua biodiversidade.

Confiando nas informações divulgadas pelos “nem-nem-nem” e por alguns estudos de impacto ambiental já realizados, a construção do aeroporto no Montijo implica vários problemas, dos quais nomearei apenas alguns:

  • o aeroporto do Montijo, na sua fase de exploração, irá provocar impactos significativos numa área que se encontra protegida por legislação nacional e internacional, uma vez que se situará numa região periférica à Zona de Protecção Especial do Estuário do Tejo;
  • risco de contaminação da coluna de água decorrente das obras de extensão da pista;
  • aumento do ruído, violando a legislação em vigor;
  • possibilidade de impactos na saúde provocados por partículas ultrafinas (UFP), um poluente emergente particularmente associado à aviação e que, ao contrário dos gases, pode ter uma influência mais directa à superfície (qualidade do ar);
  • a análise do risco de colisão com aeronaves é inconclusiva.

A lista poderia continuar, mas não acredito que valha a pena. O essencial está aí e a conclusão não poderia ser outra: construir um novo aeroporto no Montijo provocará danos irreversíveis na natureza, na biodiversidade e nas populações que serão afectadas pela sua construção. Esta construção não promove a “regeneração da biodiversidade”, impede-a.

A solução mais racional, se um aeroporto for mesmo imprescindível para o país, passa por procurar outras áreas que minimizem os impactos negativos desta obra.

Se em 2019, no seu programa eleitoral, o PS referia que “não há planeta B” hoje, em 2021, relembra-nos de que “não há plano B”. É caso para dizer que o planeta virou plano e a regeneração virou miragem.

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