Madrid não atribui qualquer valor ao referendo em Gibraltar

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Apenas 187 eleitores votaram favoravelmente o projecto de partilha soberania David Cheskin/EPA

O Governo espanhol não atribui "qualquer valor" ao referendo realizado ontem em Gibraltar, no qual os habitantes daquela colónia britânica rejeitaram de forma quase unânime um projecto de soberania partilhada que vem sendo discutido entre Londres e o Reino Unido.

"O que é realmente importante são as conversações com o Reino Unido. A tudo o resto não damos qualquer valor", declarou o vice-presidente e porta-voz do Governo espanhol, Mariano Rajoy, em conferência de imprensa.

Rajoy considera que, no que diz respeito às conversações com Londres sobre o futuro do rochedo, "a situação está melhor do que nunca".

Já antes, a ministra espanhola dos Negócios Estrangeiros, Ana Palácio, insistia no facto de o referendo "não ter qualquer efeito jurídico", tratando-se apenas de "uma consulta virtual". "É qualquer coisa que não tem objectivo. Não tem qualquer efeito jurídico e contradiz toda e cada uma das resoluções das Nações Unidas" sobre a descolonização, declarou a ministra em entrevista à rádio Onda Cero.

O desconforto do Governo espanhol é igualmente partilhado pela oposição socialista, com o líder do PSOE no Parlamento, Jésus Caldera, a qualificar a consulta como "fictícia e inútil".

Noventa e nove por cento dos eleitores do "rochedo" que votaram no referendo — organizado pelas autoridades locais à revelia de Londres — votaram contra o projecto de soberania partilhada entre o Reino Unido e a Espanha. Apenas 187 dos mais de 18 mil eleitores que participaram no escrutínio votaram a favor do projecto.

Numa primeira reacção, o secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros britânico, Denis McShane, considerou que este resultado não constitui propriamente "uma surpresa". Num claro sinal de contenção, o responsável sublinhou que não existe actualmente em discussão nenhuma proposta sobre a mudança do estatuto do território.

Uma discórdia com quase três séculos

Em Julho passado, Londres e Madrid chegaram a um acordo de princípio sobre a questão da soberania do pequeno mas estrategicamente importante rochedo, que permite o controlo do tráfego e tráfico no estreito com o mesmo nome, que separa os continentes europeu e africano (mais de 70 mil navios atravessam o estreito de Gibraltar por ano).

As conversações sobre o futuro de Gibraltar decorrem desde 1984 e encontram-se de novo num impasse, nomeadamente devido à discordância sobre a duração de um eventual estatuto de co-soberania.

Londres não se importa de partilhar a soberania do território, que controla desde 1713, e que é a sua última colónia na Europa, mas rejeita cedê-lo inteiramente a Madrid. O Reino Unido exige ainda que qualquer que seja a solução encontrada, os habitantes da ilha possam manifestar-se sobre ela em referendo. Espanha continua a defender que o enclave situado na extremidade sul da Península Ibérica lhe deve pertencer integralmente.

Os gibraltinos, esses, não apoiam nenhuma das soluções e defendem a sua "britanicidade", colocando bandeiras do Reino Unido nas janelas.

Depois de sucessivos impasses, os Governos espanhol e britânico relançaram as discussões sobre Gibraltar em 2001.

No primeiro referendo sobre a soberania de Gibraltar, realizado em 1967, 99 por cento dos 30 mil habitantes do rochedo pronunciaram-se a favor da manutenção dos laços com o Reino Unido e contra uma união a Espanha, que recolheu o apoio favorável de apenas 44 eleitores.

Gibraltar tornou-se numa guarnição militar britânica com a assinatura do Tratado de Utrecht com Espanha, em 1713, tendo passado a colónia em 1830. O tratado estabelece a eternidade da soberania britânica sobre o território, dando apenas à Espanha estatuto preferencial no caso de Londres deixar de estar interessado no enclave. O território chegou a estar cercado pelas tropas espanholas 15 vezes, numa tentativa de reconquista.

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