Covid-19: muitas democracias usaram medidas ilegais ou desnecessárias

Estudo conclui que 43% das democracias aplicaram medidas de combate à pandemia que prejudicaram valores políticos e cívicos essenciais. Mas 11 países mostraram que foi possível manter esses direitos, entre eles Dinamarca, Finlândia, Suécia, Nova Zelândia e Alemanha.

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Em Portugal, estados de emergência passaram pelo Parlamento Nuno Ferreira Santos

Quase metade das democracias do mundo implementou restrições que foram ilegais, desproporcionais ou desnecessárias, por causa da pandemia de covid-19, segundo um relatório do Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Eleitoral (IDEA) divulgado nesta quarta-feira.

Dois dos aspectos mais afectados pelas medidas de contenção contra a pandemia foram a liberdade de expressão e a integridade dos media e 43% das democracias aplicaram medidas de combate à crise sanitária que prejudicaram valores políticos e cívicos essenciais, de acordo com o relatório sobre o Estado Global da Democracia.

O relatório revela que 59% dos países declararam estados de emergência, para lidar com a pandemia, o que lhes permitiu adoptar medidas drásticas temporárias, que levaram à diminuição de direitos e liberdades cívicas essenciais, como liberdade de expressão, liberdade de movimento e liberdade de reunião.

Em alguns casos, as medidas provocaram mesmo restrições políticas, como o adiamento (por algum tempo ou por tempo indeterminado) de eleições.

Segundo os relatores do documento, um ano após os primeiros surtos do novo coronavírus, a pandemia parece ter aprofundado os regimes autocráticos em países não-democráticos e retirou liberdades e direitos nos regimes democráticos.

Contudo, pelo lado positivo, o relatório da IDEA Internacional mostra que 11 países mostraram que foi possível levar a cabo a luta contra a pandemia mantendo todos os direitos e garantias cívicas, incluindo Dinamarca, Finlândia, Suécia, Nova Zelândia ou Alemanha.

Em alguns casos, o combate à pandemia permitiu mesmo encontrar novas formas de aprofundamento das democracias, provando a eficácia de modelos de votação alternativos ao voto presencial (como voto por correspondência, voto electrónico ou voto delegado) ou a vantagem de realização de convenções partidárias através de plataformas digitais de comunicação.

“Mas este relatório ainda nos dá uma imagem incompleta da história. Ainda estamos numa fase intermédia da pandemia e não sabemos se estas consequências se vão manter ou alterar”, disse Kevin Casas-Zamora, secretário-geral da IDEA Internacional, em entrevista à agência Lusa.

Para Casas-Zamora, anteriores crises, como a financeira de 2008-2010, ensinaram que as consequências mais graves apenas surgem algum tempo depois da “tempestade”.

Falta ainda saber o que nos trará a crise económica que se está a formar por causa da crise sanitária. E temo que sejam os aspectos mais negativos aqueles que poderão ser mais realçados”, concluiu o secretário-geral da organização, lembrando que ainda são possíveis novas vagas da pandemia e há muita incerteza sobre o que trarão as estratégias de aplicação das vacinas contra a covid-19.

Casas-Zamora destacou vários desafios colocados pela pandemia às democracias, salientando o abuso de vários governos relativamente à declaração de estados de emergência, alguns dos quais por períodos de tempo despropositados, especialmente na América Latina.

“As democracias ficaram ainda sobre mais ‘stress'”, explicou Casas-Zamora, dizendo que esta crise sanitária “acelerou processos de deterioração” deste género de regimes, enquanto atrasou os processos da sua sedimentação em países onde a democracia estava a tentar impor-se.

O secretário-geral da IDEA Internacional realçou ainda a conclusão do relatório que indica a existência de aumento de casos de corrupção em 43 países, por causa da pandemia, assim como o reconhecimento de uso abusivo da força por parte das autoridades na implementação de medidas de contenção da propagação do novo coronavírus.

“Houve também um aumento da discriminação de minorias e grupos desfavorecidos”, acrescentou Casas-Zamora, considerando que a pandemia foi uma “boa desculpa” para deixar essas franjas da população em situação ainda mais vulnerável.

O relatório mostra ainda que as mulheres foram vítimas preferenciais da crise sanitária global, seja por causa de ocuparem muitos dos lugares nos cuidados de saúde ou por ter aumentado o número de casos de violência doméstica, por causa de confinamentos e quarentenas.

“Felizmente, houve também boas oportunidades para as democracias”, concluiu Casas-Zamora, referindo os casos de inovação democrática que a pandemia acabou por provocar, nomeadamente no que diz respeito ao uso de plataformas digitais.

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