Pinhel: à descoberta do castelo entre planaltos

Por terras da Guarda, o leitor Tomás Reis aconselha passeios sem pressas por uma região de vales serenos. “Será possível”, pergunta-se, que “estes vales continuem tão serenos?”

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Tomás Reis

A vista nítida da serra da Estrela fá-la beirã, mas a terra dá vinho, azeite e amêndoa, fazendo anunciar a Terra Quente transmontana. Que terra é esta, que tanta história tem para dar?

Depois de sair da Guarda, acalmam as curvas da estrada. A penedia serrana dá lugar ao planalto beirão, adoçado pelo pintalgar dos pastos e dos castanheiros, torcidos e robustos ao fim de tantos séculos. Nem no fim do Verão o verde sai da sombra fresca.

Aparece uma anta, a cerca de vinte metros da estrada, datada de mais de vinte séculos antes de Cristo. Ao descobri-la, corre um arrepio: talvez pela aparente doçura da terra, a região é habitada desde tempos imemoriais.

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Segue-se uma descida, quase despercebida no embalo da estrada. Até que Pinhel aparece, quase sem aviso, numa silhueta inconfundível. Salta à vista a concentração de torres - sejam as do castelo ou das igrejas. À volta, domina o silêncio dos vales.

Na chegada ao posto do turismo, percebemos que esta cidade não é para menos: diz-se ter a maior concentração de casas senhoriais do país, além da maior produção de vinho da Beira Interior. Nada de grandes extensões de vinha: ali domina a produção familiar, que enche as cubas da Adega Cooperativa, ali tão perto.

A cidade histórica, ainda fora das muralhas, é uma sucessão de espaços públicos que mostra a importância que Pinhel teve, entre praças e ruas largas, ajardinadas com tílias frondosas. A Igreja da Misericórdia ostenta um pórtico do gótico tardio, mesmo ao lado da Igreja Matriz, que em tempos foi catedral. E naquele conjunto, nem os edifícios mais recentes destoam: nem sequer o restaurante Entre Portas, desenhado pelos arquitectos DepA. 

No antigo palácio episcopal, um pouco mais adiante, fica o Centro Cultural e o Museu da Cidade, também reabilitado pelos DepA. Salta à vista a pureza de um edifício neoclássico, reabilitado com linhas contemporâneas. O design expositivo foi premiado pela Associação Portuguesa de Museologia. Vamos querer descobrir mais.

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Se a cidade fora das muralhas tem ruas e praças largas, Pinhel intramuros, mais labiríntica, também parece arejada. As casas rareiam, entre muros de pedra que sustêm figueiras e oliveiras - terão sido quarteirões abandonados depois da Idade Média? Certo é que, no ambiente bucólico, o azul dos montes e vales faz querer subir ao castelo.

Ali, do alto, vêem-se as serras, mas também o vale do Côa na sua plenitude, correndo da raia de Vilar Formoso para a Reserva Natural Faia Brava, autêntico santuário da biodiversidade.

Mas o castelo também tem muito que se lhe diga: sobressaem duas torres, o que o torna diferente de qualquer outro. Ao lado da torre de menagem, resiste a torre da prisão, agora convertida num espaço de exposições. Não podiam ser mais contrastantes: a torre da prisão é românica na aparência, mais austera, enquanto a de menagem foi embelezada com uma janela manuelina e gárgulas antropomórficas - cujas figuras exibem o traseiro na direcção do país vizinho.

A história do castelo teve momentos conturbados: em 1480, terá sido um grupo de moradores a ocupá-lo, para surpresa do alcaide. E a história de Pinhel parece ter sido, e continua a ser, de resistência. Resiste orgulhosamente na aspereza raiana, mas também resiste ao turismo de massas. Será possível que, com o Douro, com Aldeias Históricas já tão exploradas, estes vales continuem tão serenos? 

Docemente, o sol tinge nas encostas jogos de luz e sombra. É o dia que termina. Fiquei com a sensação de que, depois de um dia tão pleno, Pinhel tem ainda mais para revelar. 

Tomás Reis (texto, desenho e fotos)

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