Do confinamento físico ao confinamento psicológico

A referenciação direta às consultas de psicologia deve ser um objetivo a curto prazo, evitando manter entropias e dificuldades de acessibilidade aos cuidados de saúde psicológica. Se assim não for, as pessoas continuarão confinadas, desta vez ao seu sofrimento psicológico.

A situação de pandemia pela covid-19 veio colocar o Serviço Nacional de Saúde (SNS) exposto a uma avaliação sem precedentes. Os olhares da população estavam focalizados não só no vírus, mas sobretudo na capacidade de resposta do SNS. O medo estava instalado em muitas pessoas. Por um lado, o medo de contágio e da doença, por outro o medo da possibilidade da existência de recursos materiais e humanos insuficientes, nomeadamente escassez de camas em cuidados intensivos ou de profissionais de saúde em número reduzido. O SNS e os seus profissionais têm sido capazes de dar uma resposta que a todos muito nos orgulha. Exemplo disso tem sido não só o verdadeiro desempenho assistencial, mas também as diversas formas de reconhecimento público para com todos os profissionais do SNS.

Muitos são os profissionais que, de modo altruísta, se colocam ao serviço de quem mais necessita. Muitas têm sido as linhas de apoio psicológico que vêm fazendo um trabalho importantíssimo para a diminuição do sofrimento de inúmeras pessoas, nomeadamente a linha de apoio psicológico do SNS 24.

Estamos agora a viver tempos de desconfinamento gradual que naturalmente está, ou deverá estar, imbuído de um desconfiamento necessário. Os receios ainda são muitos, quer para os que foram infetados, quer para os que passaram até ao momento sem doença. Daqui resulta, em muitas pessoas, alterações de cariz psicológico que merecem uma intervenção atempada e eficiente. Se juntarmos as perdas por morte e as dificuldades económicas em que muitas pessoas e famílias vivem, temos ainda mais fatores que poderão levar ao desequilíbrio psicológico de cada um. Serão estas pessoas e famílias que necessitarão de acesso aos cuidados de saúde psicológica que, na atualidade, ainda não é devidamente célere. Pessoas que podem ainda não apresentar diagnóstico de doença mental, mas que apresentam inequivocamente sofrimento psicológico.

Esta é uma excelente ocasião de investir atempadamente na prevenção da doença mental e fazer um verdadeiro investimento na saúde mental. Com isto pretendo explicar que a acessibilidade às consultas de psicologia no SNS, nomeadamente ao nível hospitalar, carece urgentemente de outra configuração. No presente, os pedidos efetuados pelos médicos de Medicina Geral e Familiar para consultas para psicologia ao nível hospitalar só podem ser dirigidos para as consultas de psiquiatria ou pedopsiquiatria, sobrecarregando estes profissionais e atrasando a referenciação adequada para as consultas de psicologia. Todos sabemos da escassez de recursos na área da psiquiatria e da pedopsiquiatria. A referenciação direta às consultas de psicologia deve ser um objetivo a curto prazo, evitando manter entropias e dificuldades de acessibilidade aos cuidados de saúde psicológica. Se assim não for, as pessoas continuarão confinadas, desta vez ao seu sofrimento psicológico.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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