Estar no hospital sem presenças

Não consta que os olhares e as vozes sejam origem do contágio, mas sabe-se que são cura de muitos males.

Foto
Olga Kononenko/Unsplash

Quem sabe o que é estar doente no hospital, saberá entender a pena que vou pôr neste meu texto.

Não saberei dizer com dados ou elementos científicos, nem por experiência própria, porque não estive hospitalizada desde o surgimento da covid-19, mas, numa lógica de analogia, quando tratamos mal o nosso corpo, quando não lhe damos o que devemos, e lhe damos o que não devemos, e quando não o exercitamos como devemos, ele definha ou toma proporções acrescidas ou vinga-se em nós! Vinga-se no nosso espelho, na nossa balança, no nosso ego, nas nossas análises clínicas e manda-nos, muitas vezes, para o hospital. Pelo menos o meu manda-me! Se fizermos o equivalente ao cérebro (ou ao coração, enquanto identidade emocional!), de que modo chegará essa vingança?… É simples: servida, obviamente, como um prato frio!

Quem conhece um ou outros pisos de algum hospital como paciente, exceptuando o piso da maternidade, obviamente, nenhum lhe trará qualquer alegria, dado que será sempre, pelo menos, uma presença para a resolução de um problema com data aproximada de saída ou data nenhuma. E essa estada resume-se grandemente a sermos martirizados fisicamente, mesmo quando, para alívio das dores, com uma agulha em permanência espetada no braço, há entradas medicamentosas, mas que nos gelam o corpo; há também um soro que nos alimenta e nos torna indiferentes à necessidade de comida… mas não ao sonho dela! Sonho com a de casa ou a do nosso restaurantezinho favorito, não com a do hospital, de certeza.

Dormimos numa cama que não é a nossa, nem foi escolha nossa, lençóis que não são os nossos, uma almofada que não cheira como a nossa! E, de manhã, o suplício do banho desejado para refrescar um pouco uma noite não dormida porque havia dores, não havia posição para dormir, porque havia luz, porque havia barulho, porque havia enfermeiros em positiva vigilância, faz-se a arrastar o soro, a tentar não deixar que a agulha saia do braço, a tirar uma camisola de pijama que temos de pensar muito bem em como fazê-lo, que não escorreguemos no chuveiro, que não deixemos cair nada porque, caso contrário, poderemos não conseguir recuperá-lo para lhe dar uso no banho e, para terminar este momento, secamo-nos com a toalha que entretanto já nos caíra aos pés, na água, e temos de voltar a vestir outra camisola de pijama testando a nossa capacidade de contorcionistas!

Só mesmo a ansiedade de sairmos de lá depressa mitiga essas dores físicas e as dores emocionais, as primeiras muito reais, e as segundas também muito reais e muito sentidas por quem agora está frágil!

E no meio disto tudo, elencando ao mínimo a lista de tristezas de uma estada no hospital, para que não desistam de ler o texto, porque o que vem agora é que é realmente importante, só duas luzinhas para abrilhantarem o tenebroso dia: a visita do médico e a visita dos familiares e amigos. A primeira, de manhã, numa desejada esperança que a frase “está a correr tudo bem… amanhã poderá ter alta”, mas que é muitas vezes antecipada pela certeza de que tal não vai acontecer porque o enfermeiro não fez nenhum sorriso quando nos veio medir a temperatura, as dores são ainda muitas e o peso de uma mentirinha nossa a ocultar o facto seria por demais incomportável, até porque teria, no meu caso, de sair do hospital de joelhos!

Se uma das luzinhas acaba por se apagar, fica então apenas um conforto para a tarde: amigos e familiares virão saber de nós, fazer conversa de circunstância, deliciosa, sobre nós, o tempo, o trânsito, que terá valor de discussão filosófica e sagrada porque nos toca no âmago, nos retira da realidade.

Estes dias têm sido de ausência desta luzinha para quem está no hospital. Não acredito que consigam encontrar uma outra réstia de bem-estar nessa estada. O corpo melhorará, nem que seja aos pouquinhos, mas e a mente, dominada por cismas, porque a doença é o que mais no aproxima emocionalmente da inutilidade, como ficará nessa ausência diária, que é para muitos de muitos dias?

Neste momento, o preço de um abraço ou de um beijo é ainda muito elevado, mas é urgente retomarem-se as presenças daqueles que os nossos olhos reconheçam de cenários felizes para minimizarmos a dificuldade de suportar o contexto em que estamos e os sentimentos pesarosos nele construídos, e que nos dominam e que nos adoecem o espírito.… Terá ainda de ser um ressurgimento resguardado de contactos físicos, terá de ser feito com muitos cuidados, mas temos de lhe dar espaço, até porque não consta que os olhares e as vozes sejam origem do contágio, mas sabe-se que são cura de muitos males.

Sugerir correcção